BATISMO:
Jesus
mergulha nas “águas da humanidade”
“O
céu se rasgou e viu-se o Espírito descer sobre Ele”
(Lc.
3,21-22)
Terminado o “tempo natalino”, começamos
hoje o “tempo comum” (Ano C), ou seja, a vida pública de
Jesus, sua missão como Filho em favor dos filhos. O relato do batismo – que
marca a passagem da vida em Nazaré para a vida peregrina – faz referência a uma
experiência fundante de Jesus: confirmado pelo Pai, impulsionado pelo Espírito,
Ele descobre o sentido de sua vida e a missão que devia realizar.
O batismo
de Jesus implica uma profunda experiência espiritual, muito ligada à sua atitude
humilde de a-proximar-se do rio Jordão, onde as pessoas simples do povo buscam
no batismo de João uma purificação de suas vidas.
Jesus
“desce” ao Jordão, gesto que condensa sua descida do céu à terra,
sua “kénosis”, a radicalização de sua
Encarnação. É uma “descida” às águas da humanidade
Nesse
sentido, o batismo não é a prova da divindade de Jesus, mas a prova de
uma verdadeira huma-nidade; Jesus “desce” ao Jordão, submerge na
vida e na condição humana e ali faz a experiência de ser conduzido pelo
Espírito em favor da humanização de todos.
Ao sair do Jordão, Jesus experimenta uma
“teofania” (manifestação) que revela seu mistério mais profun-do: o Céu deixa de
estar em silêncio, o Céu não se compraz na Lei e no Templo, o Céu se compraz em
Jesus que, a partir de sua profunda percepção do Deus de Israel como Ternura e
Fonte da Vida, converte sua vida em uma Boa Noticia para os abatidos da casa de
Israel.
O céu se abre e sobre a terra começa a
caminhar um Homem cheio do Espírito. Esse Espírito que desce sobre Ele é sopro
de Deus que cria vida, a força que renova e cura a humanidade ferida, o amor
que trans-forma tudo. Sob o impulso do Espírito Jesus se dedica a libertar a
vida, a curá-la e a fazê-la mais humana.
Por isso, o grande protagonista
da liturgia de hoje é o Espírito. A missão de Jesus não pode ser
entendida a não ser pela experiência de deixar-se conduzir pelo mesmo Espírito.
Quando consideramos profundamente
a vida de Jesus, o que Ele faz, o que Ele sente e o que Ele diz, temos esta
evidência: este homem é inexplicável sem o Espírito.
Sem esse Espírito tudo se apaga
no cristianismo. A confiança em Deus desaparece. A fé se debilita. Jesus fica
reduzido a um personagem do passado, o Evangelho se converte em letra morta. O
amor se esfria e a Igreja não passa de uma instituição religiosa a mais.
Sem o Espírito de Jesus, a
liberdade se atrofia, a alegria se apaga, a celebração se converte em costume,
a comunhão se esfacela. Sem o Espírito a missão é esquecida, a esperança morre,
os medos crescem, o se-guimento de Jesus desemboca na mediocridade religiosa
(cf. Patriarca Atenágoras).
No batismo, Jesus rompe com a “normalidade” de sua vida
cotidiana e começa a ver tudo a partir de um horizonte mais amplo. Ele sente um
chamado real a olhar a humanidade, com suas feridas e possibili-dades, a partir
da consciência de uma fraternidade ampla. Ao descer às margens do
Jordão, Jesus desloca-se para as margens da huma-nidade, rompe fronteiras, abre
os olhos a uma realidade mais ampla...
Ao “entrar na fila dos pecadores” Jesus descobre novos
rostos, novos dramas, novas histórias... e se deixa empapar (banhar) por esta
realidade carente de sentido e de horizontes. Ao conectar-se com esta
realidade, Jesus carrega a própria história de um hori-zonte diferente, na qual
cabem outras possibilidades e outras res-ponsabilidades. Descobre uma
perspectiva mais ampla que o aju-da a formular melhor o sentido de seu chamado
e de sua própria missão.
A festa do batismo de Jesus é uma
ocasião especial para repensar nosso batismo, um convite permanente para relançar-nos
em Sua aventura, de deixar-nos invadir pelo Seu Espírito, de comprometer-nos
com Seu Reino.
Na vivência cristã, nosso maior risco é
o esquecimento de Jesus e o descuido de seu Espírito. É preciso voltar ás
fontes, à raiz, recuperar o Evangelho em toda sua pureza e verdade, deixar-nos
batizar pelo Espírito de Jesus. Se não nos deixamos reavivar e recriar por esse
Espírito, nós cristãos não teremos nada importante a contribuir com a sociedade
atual, tão vazia de interioridade, tão incapaz para o amor solidário e tão
carente de esperança.
Sabemos
que todo ser humano sente em seu interior a força do Espírito que rompe as barreiras de seu egoísmo, que o
expande para além de si mesmo, que o arranca de seus “lugares estreitos”...
Nesse
sentido, o batismo significa uma experiência de rompimento de fronteiras profundas, de desloca-mento
para novos horizontes, de alargamento do coração... um
movimento de expansão de todo o ser. “Experiência”
que implica emoção e descoberta, com sabor do risco, da criatividade, da ousadia...
Da experiência batismal emerge uma
pessoa internamente reconstruída, com vontade de sair daquilo que a limita, empobrece,
degrada...; é a experiência de alguém que é impelido a lançar-se, a assumir
novos riscos, a deslocar-se para as novas encruzilhadas de si mesmo e da
história.
Para “viver o batismo”, é
preciso tornar-se velejador de mar aberto, livre e desprendido, abrir-se para o
novo e diferente, deixando-se conduzir pela correnteza do rio... e “passar
para a outra margem”.
Essa “travessia” exige
mudança de atitude, pôr-se a caminho, êxodo, sair-de-si... Sair da margem conhecida, velha, rotineira...
para encontrar a nova margem da
relação, do compromisso, dos sonhos...;
lugar
provocador de mudanças, de onde brotam as grandes experiências, as intuições,
os ideais vitais...
“Não basta fazer viagens, de vez em
quando, às fronteiras, levar uma doação, fazer uma reporta-gem impactante e
lançá-la na torrente midiática que se expande pelo mundo inteiro. Nem sequer é
suficiente permanecer ali por algum tempo. É necessário fincar raízes profundas
nas realidades fron-teiriças para estar solidamente enraizados, para pertencer a
esse mundo, para ser daí” (Benjamín G. Buelta sj).
Textos
bíblicos:
Lc. 3,15-16.21-22
Na
oração: Ao
“descer” junto às margens do nosso Jordão, podemos atingir experiências imprevistas
e surpre-
endentes, ou reconhecer,
através do murmúrio das águas, “vozes novas” que nos incitam a
peregri-nar para as regiões desconhecidas do nosso próprio interior. Só
assim, poderemos vislumbrar o outro lado e tocar as raízes mais profundas que dão sentido e consistência
ao nosso viver.
Recordar (lembrar com o
coração) dimensões da vida que
precisam ser ampliadas a partir da vivência do batismo. Recordar medos, entraves, obstáculos... que
limitam sua vida batismal.
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