“O que poderá alguém dar em troca de
sua vida?”
(Mt 16,26)
O evangelho deste domingo é continuação daquele
do domingo passado; também hoje, Jesus e seus discípulos se encontram em
Cesaréia de Filipe, fora do território da Palestina. O que Mateus relata da
boca de Jesus, nem sequer é aceitável para os seus seguidores. Jesus tinha
acabado de felicitar a Pedro por expressar pensamentos divinos. Agora o critica
duramente por pensar como os homens. A diferença é enorme e só umas linhas de
distância, no mesmo evangelho.
Como Pedro, também nós, seguidores(as) de Jesus,
ficamos escandalizados com a cruz.
Nenhum de nós teria escolhido para Jesus esse caminho. Onde fica a imagem do
Messias vitorioso, Senhor ou Filho de Deus?
Apesar das palavras de Pedro, no
domingo passado, sua atitude diante do anúncio da paixão e morte de Jesus
demonstra que, nem ele e nem os outros discípulos, entenderam o que significava
a pessoa e a missão do Mestre de Nazaré. Queriam segui-lo, mas sem as
consequências do seguimento.
Para compreender Jesus, é preciso
deixar de pensar como os homens e começar a pensar como Deus; é deixar de
ajustar-nos a este mundo e entrar em sintonia com o modo original de ser e de
viver do próprio Jesus; é transformar-nos pela renovação da mente e abertura do
coração.
Para aceitar a mensagem de Jesus,
temos de mudar radicalmente nossa imagem de Deus.
Quê significado tem para nós, hoje, a morte de
Jesus na Cruz? Não é fácil entrar na dinâmica da Cruz. Mas, por outra parte, é impossível compreender a mensagem de
Jesus sem compreender a Cruz. Ela é expressão de uma vida doada; por isso se
converteu no “sinal chave de nosso seguimento”.
A vida é constantemente
chamada a ser Páscoa. Porque, só na vitória da vida entregue, ela ganha
sentido, avança, como uma torrente que rega terras secas, ávidas de água, como
um fogo que, na noite mais escura, traz uma luz que permite vislumbrar a vida
oculta.
A vida é
movimento e, portanto, energia expansiva. Podemos consumi-la em benefício do
ego (falso eu) e então vem o fracasso. Podemos re-orientá-la em benefício dos
outros e da causa do Reino; e então, consu-má-la, dando-lhe plenitude. Pois, só
uma vida consumada faz fecunda a morte.
Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte
é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver,
porque incapazes de re-inventar a vida no seu cotidiano. Por isso, viver é uma arte; é
necessário re-criar a vida no
dia-a-dia, carregá-la de sentido.
A morte do falso eu é a condição para que a
verdadeira vida se libere.
O “depois da vida” é um grande encontro onde
seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”
De fato, aqueles que mais desfrutam da vida são
os que deixam a segurança do conhecido e se dedicam apaixonadamente à missão de
comunicar vida aos outros. Ter apego à própria vida é destruir-se; entregar a
vida por amor não é frustrá-la, mas levá-la à sua completude. Aqui há uma inversão na lógica natural das
coisas; ganha-se quando perde, vive-se quando morre, multiplica-se quando
divide.
Estranhas atitudes estas que
Jesus propõe, tão contrárias em uma cultura como a nossa que nos apresenta a
apropriação e a acumulação como meta da existência. Ele, imperturbável,
apresenta sua alternativa: perder, vender, dar, deixar, não armazenar, não
reter avidamente, desapropriar-se, esvaziar-se, partilhar...
Perder-ganhar, morrer-viver,
entregar-reter, doar-receber..., parecem dimensões ou realidades
contraditó-rias, mas captar a profundidade da verdade contida nesta
“contradição aparente” é descobrir o Evangelho.
“Morrer”, “perder”, “entregar”, “renunciar”... é
este instante de ruptura, onde toda uma vida incubada, trabalhada no
silêncio e no sofrimento, marcada de alegrias e tristezas, vitórias e
fracassos, desponta luminosa para a vida eterna. Pois vida
é um contínuo despedir-se e partir; ela nos desaloja de nossos “lugares
estreitos” e nos faz caminhar em direção a novos horizontes.
A vida aumenta quando compartilha e se atrofia
quando permanece no isolamento e na comodidade.
A morte do falso eu é a condição
para que a verdadeira Vida se liberte. É preciso passar pela morte do que é
terreno, caduco, transitório (aderências afetivas, apegos desordenados...) para
deixar emergir a vida interior, a vida divina, a vida de Deus em nós.
O essencial não é encontrar um caminho para
alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”.
Como Jesus encarou a Cruz? Ele não buscou a cruz pela cruz.
Buscou a fidelidade à sua missão que consistia em evitar a proliferação de
cruzes, para si mesmo e para os outros. Pregou e viveu o amor e revelou as
condições necessárias para que esse amor se tornasse realidade nas relações
entre as pessoas.
Jesus anunciou a boa nova da Vida
e do Amor e se entregou por ela. Quem ama e serve não cria cruzes para
os outros; é o egocentrismo e a
maldade que geram cruzes.
A realidade, dividida e
conflituosa, se fechou à proposta de Vida apresentada por Jesus, impondo-lhe
cruzes em seu caminho e finalmente O levantou no madeiro da Cruz.
Nela mesma, a cruz é aquilo que
limita a vida (as cruzes da vida), que nos faz sofrer e dificulta nosso
caminhar, por causa da má vontade humana (carregar a cruz de cada dia); ela é a
corporificação do ódio, da violência e da exclusão humana. Mas Jesus continuou
amando, apesar do ódio; continuou investindo sua vida a serviço da vida, apesar
da cultura de morte na qual se encontrava. Assumiu a cruz em sinal de
fidelidade para com o Pai e para com os seres humanos. Por isso, na vida de
Jesus a Cruz é salvífica.
Nesse sentido, a cruz de
Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é conseqüência de uma opção
radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e
resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume,
concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por
Jesus na fidelidade ao Pai. que quer que todos vivam intensamente.
“Renunciar
a si mesmo” e
“carregar a sua cruz”, é entrar em sintonia e
comunhão com Jesus, assumindo, com seu mesmo espírito, os sofrimentos que se
seguem a uma adesão concreta e responsável à sua pessoa e à sua causa. É este seguimento fiel que nos introduz na
cruz genuína d’Aquele que foi fiel até o fim.
A partir desta atitude de seguimento precisamos
entender esse “renunciar a
si mesmo”
que Jesus pede ao discípulo. “Renunciar a si mesmo” não significa
mortificar-se, castigar-se a si mesmo e, menos ainda, anular-se ou autodestruir-se.
Nunca se deve confundir a cruz com atuações masoquistas, nunca alimentadas por
Jesus. “Renunciar a si mesmo” é descentrar-se, sair de seus próprios interesses,
para fixar a existência na pessoa de Jesus, a quem deseja seguir. É libertar-se
de si mesmo para aderir radicalmente a Ele.
A mortificação tem um lugar
importante na vida de quem segue a Jesus. Não qualquer mortificação, mas aquela
que vai libertando a pessoa de seu egocentrismo, de sua comodidade ou de sua
covardia para seguir mais fielmente a Ele. Buscar sofrimento para “agradar a
Deus” não tem sentido; é tortura inútil, que alimenta nosso “ego” e nos afunda
numa espiritualidade doentia.
A cruz tem sentido quando é consequência de uma opção autêntica de
vida em favor da vida: por exemplo, quando sofremos por levar adiante uma causa
justa, por defender as pessoas que são vítimas das estruturas sociais,
políticas e econômicas injustas, por as-sumir a radicalidade na vivência do
amor, lutan-do contra toda expressão de ódio, preconceito, intolerância..., por
evitar o mal e denunciar uma injustiça, etc.
A cruz salva quando aponta para a
vida.
Texto bíblico: Mt 16,21-27
Na oração: - “Fazer memória” de tantas
mulheres e
homens que se associaram
à Cruz de Jesus, na
solidariedade com os pobres, na fidelidade à vida evangélica, na descida aos
porões das contradi-ções sociais e políticas, às realidades inóspitas, aos ter-renos
contaminados e difíceis, às periferias insalubres, onde os excluídos deste mundo
lutam por sobreviver. Ali se encontraram com o Crucificado, o “Justo e Santo”,
identificado com os crucificados da história.
-
Recordar as cruzes que apareceram na sua vida por causa da fidelidade ao
Evangelho.
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