quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Segue uma sugestão para aprofundar o "mistério" das tentações de Jesus... e nossas. Um abraço a todos pe. Adroaldo sj



TENTAÇÕES: há coisas que são mentira, mas que aparecem como
                           verdadeiras; aí se enraíza seu atrativo”

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e, no deserto, era guiado pelo Espírito” (Lc. 4,1)

O batismo é um evento de primeira importância na vida e na missão posterior de Jesus.
Nesse momento Ele fez a experiência de sua vocação, deu-se conta perfeitamente da missão que o Pai lhe confiava e acolheu-a com todas as suas conseqüências.
Ora, aquela missão comportava, de fato, não só um fim, que havia de realizar (a salvação e a libertação total da humanidade) senão, também, um meio, ou seja, um caminho e uma maneira de proceder, tendo em vista alcançar aquele fim. E esse meio ou esse procedimento era, essencialmente, a solidariedade com todos os pecadores e excluídos da terra, a ponto de morrer com eles e por eles.

Aqui é decisivo compreender que o meio – ou o como – da missão de Jesus é tão importante como o fim mesmo dessa missão. Isso, por uma razão muito simples: o ser humano pode ser enganado mais facilmen-te no que diz respeito ao meio ou ao “como” que no tocante ao fim mesmo da missão.
Daí a relação tão profunda e estreita que os evangelhos estabelecem entre o batismo de Jesus e as tentações no deserto que o mesmo Jesus sofreu.
As tentações, na realidade, são o prolongamento do relato do batismo; e isso se vê claramente por uma série de detalhes que os Evangelhos apontam: é o Espírito, que pousou sobre Jesus no batismo, Aquele que O leva “imediatamente” ao deserto; a primeira tentação faz referência direta ao título “Filho de Deus”, proclamado no batismo... Desde o início, Jesus aparece como o homem que “se deixa conduzir”, a partir do centro, pelo Dinamismo divino – isso é o Espírito – precisamente porque não está aferrado ou identificado com seu eu. É o homem des-centrado em quem o Espírito pode expressar-se com liberdade.

Não podemos esquecer que o tentador não propõe a Jesus que se afaste de seu fim, ou seja, de seu projeto messiânico de salvação (“Se és o Filho de Deus...), senão que, na realidade, o que ele faz é oferecer a Jesus alguns meios determinados para realizar a salvação.
De fato, os meios que o tentador apresenta são os meios, humanamente falando, mais eficazes que nin-guém poderia imaginar: possibilidade de transformar as pedras em pão, o prestígio indiscutível de quem salta do alto do templo, sustentado pelos anjos e, para culminar, todo o mundo a seus pés.
Quem resiste a um homem com tais meios?
Todos serão atraídos porque, em definitiva, terá entre suas mãos o poder total e o domínio absoluto.
Eis aqui a intuição e a genial proposta do tentador: salvar e libertar toda a humanidade, mas mediante o poder, o prestígio e a dominação. O tentador não pretende que Jesus se afaste de seu fim, senão que procure atingir esse fim, usando os meios que são exatamente o oposto da solidariedade.

Mas Jesus rejeita a tentação do poder, porque para Ele, não há outro meio de salvação e libertação que a solidariedade até a extrema radicalidade.
A tríplice tentação condensa as “pulsões” mais importantes que o ser humano experimenta e que, quando alimentadas, podem afastá-lo do melhor de si: o ter, o poder e o prestígio (fama). Nesse sentido, Jesus não vive para seus interesses, mas em docilidade à Vontade de Deus; Jesus não é um Messias que se impõe pelo poder nem pelo êxito; a única força que o move é a fidelidade ao Pai e à missão.

Hoje estamos condenados, pelos meios de comunicação, a alcançar o sucesso custe o que custar, doa a quem doer, impedidos de realizar gestos de gratuidade e solidariedade. A Ética e a Moral são apenas con-ceitos idealistas que não correm mais nas nossas veias.
Por que ser transparente num mundo de pessoas opacas e “brilhantes”, que só querem ofuscar os outros com tanto brilho individual? A ideologia da vaidade é aquela que responde por essa ânsia de tudo ganhar, de comparar-se com os outros num ritmo frenético.
Como recuperar os sonhos e utopias quando precisamos manter nossos rostos com aparência de jovens enquanto nossos espíritos estão carcomidos pela angústia e pela não-superação dos fracassos que são sinais das nossas tentativas de avançar cada vez mais?
“Esta fome de prazer, de posse e de poder, esta sede de reconhecimento pelo êxito e admi-ração, esta é a perversão do homem moderno. Este é seu ateísmo. E assim o homem se con-verte num desgraçado e altivo semi-deus” (Moltmann).



As “tentações de Jesus” constituem a melhor mediação que dispomos para uma aproximação ao espaço de nosso próprio coração. E o coração é lugar onde se encontram dois dinamismos, dois impulsos:
 a) impulso para “ir além de si mesmo” – impulso de vida
 b) movimento de retração-medo-apegos – impulso de morte
Aqui, trata-se da consciência da presença destas duas forças opostas (uma de alargamento ou expansão de si mesmo em direção aos outros, à criação, a Deus; e outra de fechamento, resistência e medo).
O tempo Quaresmal ajuda a des-velar (tirar o véu, pôr às claras...) os dois dinamismos, as duas tendências, dois impulsos... que se fazem presentes em nosso interior. Não se trata de alimentar uma luta entre eles, como um combate entre o bem e o mal; tampouco se trata de uma leitura moralista diante da presença das chamadas “tentações” (tendências, impulsos, inclinações... presentes em todos nós).
O seguimento de Jesus não é luta interna que desgasta, levando ao sentimento de impotência e desânimo. O combate dualístico (entre o bem e o mal) desemboca no puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo... onde o centro sou “eu”.
A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos eu alimento; é aqui que entra a liberdade (ordena-da) para deixar-se conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito.
Trata-se de sermos dóceis para deixar-nos conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos.

Não é possivel conseguir uma situação de paz e reconciliação interna se não se parte de uma escuta muito atenta das vozes que ressoam em nosso interior, atraindo para direções contrárias. O engano acontece quando nosso coração se apega “pulsionalmente” aos dinamismos de morte (riqueza, poder, prestígio) até depender deles; nesse caso, eles deixam de ser mediações do Reino para converter-se em ídolos do próprio coração. Deles se espera a salvação, e não de Deus.
Não será através do voluntarismo que poderemos calar essas vozes, negar oposições internas existentes, conci-liar diplomaticamente os impulsos e os movimentos que se opõem em nosso interior ou reconciliar as desavenças íntimas existentes. O decisivo é “deixar-se conduzir”  pelo Espírito. Aqui não há engano.

Texto bíblico:  Lc. 4,1-13

Na oração: A oração sobre as “tentações de Jesus” nos ajuda a tomar consciência das alianças e cumplicidades nas
                   quais podemos cair em nossas relações com o mundo e com aqueles elementos que de modo mais decisivo põe em perigo nossa liberdade: as riquezas, o poder, o  prestígio. É uma espécie de "embriaguez existencial" na qual a alteridade desaparece, a abertura a Deus se atrofia e a gratidão frente aos bens se esvazia.
- Rezar minhas “pulsões desordenadas”.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Amigos e amigas, segue uma sugestão para rezar o Evangelho do próximo domingo. Um bom Carnaval a todos. Pe. Adroaldo sj



DEUS ME LIVRE DE SER NORMAL

“Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca” (Lc. 5,4)

Vivemos em “mundos-bolha”. É difícil sair do terreno conhecido, dos mares rasos. Tudo parece conspirar para que as pessoas se mantenham dentro dos limites politicamente corretos. Debaixo das expressões “transgressor”, “alternativo”, “diferente”  se esconde um forte e constrangedor convencionalismo.
Quê significa hoje “lançar as redes em águas mais profundas?” Está difícil encontrar algo que soa verdadeiramente diferente: sair de nossas seguranças para adentrar-nos no mar aberto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestio-nável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode enriquecer-nos...
A vida está cheia de possibilidades; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, provocações, aprendizagens, motivos para celebrar... lições que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...

Há uma “normalidade doentia” instalada no nosso interior, reprimindo nosso nobre potencial e condici-onando-nos a levar uma vida sem meta, sem significado, sem vigor, sem criatividade, sem entusiasmo...
Ser normal é ser doente (Kierkegaard). “Normalidade doentia” é a vida pequena, mesquinha, atrofia-da..., é sempre fazer as mesmas coisas e não imaginar que elas poderiam ser realizadas de uma forma diferente; é a doença de praticar o que todos praticam sem refletir, sem questionar se existiria outra possibilidade de fazer. Faz as coisas de forma repetitiva, utilizando baixo potencial criativo.
Na pessoa “normal” predomina o dinamismo do medo e não do desejo.
A necessidade de mudanças gera insegurança, obscuridade no seu horizonte... Tende a ser uma pessoa medíocre, nada arrojada e sem desejos de romper seu estreito e limitado mundo.
Nem tudo na vida pode ser diferente, novo, rompedor. Mas existe o perigo de que tudo na vida seja convencional, rotineiro. Uma pessoa pode construir uma vida encapsulada em espaços feitos de hábitos e seguranças, situações estáveis, convivendo com pessoas que pensam e vivem do mesmo modo...
Com isso, ela acaba estabelecendo fronteiras vitais e sociais impermeáveis ao diferente. Se isto acontece, termina tendo perspectivas pequenas, visões incompletas, horizontes atrofiados e, provavelmente, igno-rância sobre um mundo amplo, complexo e cheio de ricas possibilidades.

Somos “seres de travessia”; é próprio do ser humano ousar, romper, ir além... No entanto, não temos rotas formatadas; “ir em direção às águas mais profundas” é um bom momento para arriscar a viver uma experiência trans-formadora, aproximando-nos do diferente: abrir portas de mundos que desconhecemos; viver situações às quais não estávamos acostumados; sentir coisas que nunca havíamos sentido; conhecer lugares e pessoas que tornarão mais autêntica nossa travessia...
“Nós não nascemos humanos; nós nos tornamos humanos”, através de um investimento em nosso potencial de despertar e de auto-realização.
Nesse sentido, é normótica uma pessoa estagnada em seu processo de humanização, que não ativa seu potencial de inteligência e imaginação, de consciência ética, de transparência e integridade, que enterra seus talentos que lhe foram confiados...
Uma pessoa se humaniza quando abandona os trilhos “normais” previsíveis e penetra em trilhas criativas e inusitadas. O imenso desafio da existência humana implica na ousadia de transgredir, consciente e responsavelmente, as amarras da normalidade, romper as velhas rotinas consagradas e se aventurar no mar aberto da vida. Neste caso, a pessoa realmente saudável é a que expressa um certo desajustamento justo, uma rebeldia criativa, um impulso mobilizador...
“Dá-me, Senhor, capacidade e valentia para deixar o terreno conhecido, para sair do já sabido, para aprender cada dia aquilo que possa se tornar novidade, surpreendente, diferente” (oração Magis)

Jesus é o homem integrado, livremente tem acesso ao seu oceano interior e deixa emergir as ricas possibi-lidades, criatividades, inspiração... Ele traz o “novo” das profundezas do seu ser: novo ensinamento, novo olhar sobre a vida, nova atitude, novo compromisso...
Ao mesmo tempo, com sua presença instigante, Ele desperta, ativa e faz vir à tona o que há de mais hu-mano nas pessoas. No caso dos pescadores, homens rudes mas que carregam uma nobreza interior, Jesus os desafia a serem mais humanos. “Farei de vós pescadores de homens”. “Pescar homens” é trazer à tona o que de humanidade está escondido ou atrofiado em cada pessoa.
O apelo a lançar “redes em águas mais profundas” é ocasião para motivar a buscar a inspiração no oceano interior. Jesus convida aqueles pescadores, instalados numa maneira tradicional de pescar, a serem criati-vos na arte de pescar: sair da rotina, da maneira tradicional de pescar, buscar o novo e o diferente nas profundezas do mar...  Isso dá medo, mas faz a pessoa deslocar-se para o desconhecido, sair das margens conhecidas e seguras.

Do mar da Galiléia ao mar da vida: este é o movimento que Jesus desencadeia em todos nós. Ele desafia a que cada um mergulhe mais a fundo no oceano do coração e alí busque o humano que está escondido: novos sonhos, novas possibilidades, nova inspiração, novo sentido para a existência...
Para isso é preciso vencer o medo que atrofia tudo o que é humano em nós. Alargar nossos espaços interiores, sermos mais ousados e sonhadores, romper com o “normótico” e tradicional, ativar e des-velar o que está escondido. Assim, com nossa presença humanizadora, seremos capazes de pescar o “humano” que também está presente no outro.

Texto bíblico:  Lc. 5,1-11
 
Na oração: Pedro e seus companheiros queriam algo novo; no entanto, romper
                    com a normalidade na arte de pescar estava para além de suas possibi-lidades. Foi necessário que Alguém de fora os incitasse ao abandono daquele modo arcaico de pescar.
Diante de Deus, considerar algumas posturas que poderão ser desenvolvidas, para eliminar o “vírus” da normalidade:
- você tem uma curiosidade sadia diante do novo e do desconhecido?
- você age com otimismo lúcido, enfrentando as situações desconhecidas
   de forma auto-motivada?
- você tem o hábito da interrogação? Grandes oportunidades podem ser descobertas quando se apren-
   de a fazer perguntas, principalmente a si mesmo.
S. Inácio, antes de fazer qualquer coisa,  tinha o hábito de se perguntar:
O quê eu vou fazer? por quê vou fazer? para quem vou fazer? como vou fazer?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amigos,
 
hoje teremos o retorno da Missa da nossa comunidade.
 
Local: Capela do Colégio Loyola
 
Hora: 19:15 hs.
 
Esperamos todos lá.
 
Um abraço,
 
Pedro Gomes.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

4º Domingo.



O PESO DE UMA PALAVRA DIFERENTE 

“Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam de sua boca” (Lc. 4,22)

O ser humano é um “corpo falante”.  O “sopro de vida”  passa pelo “sopro da palavra”.
“Nós somos palavra”. Somos feitos para a comunhão, para unir as nossas vidas. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio angustiante da solidão, derretemos o gelo da indiferença, aprendemos a “partilhar o ser e o ter”. De modo particular os poetas, os amantes, os místicos e os filósofos percebe-ram, desde sempre, a força e a sedução da palavra.
As palavras conseguem criar pontes, horizontes, chegando a lugares jamais imaginados ou tocados pelos pés de quem a emite. No entanto, elas perdem força quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto de papos vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido, louvores desbotados e confidências tediosas, palavras enfeitadas e vazias, sem alma, nem paixão. “Os homens gastam-se tanto em palavras que não podem entender o silêncio de Deus” (D. Helder Câmara).

A palavra tem os atributos divinos. Os próprios textos sagrados nos dizem que “Deus é Palavra” e, em Jesus, ela se faz carne.
Jesus, a Palavra Encarnada, ajusta sua palavra à Palavra do Pai. As palavras tem um peso no anúncio e na atividade missionária de Jesus; não são neutras. Como um raio x que transpassa, as palavras proferidas por Ele iluminam os recantos mais profundos do ser humano; como um refletor em noite escura, ela reacende a esperança onde tudo já perdeu o sentido; como a chuva em terra seca, ela desperta novidades na vida, sacode as consciências adormecidas, põe em questão as atitudes de indiferença e de fechamento...
Enfim, a palavra de Jesus desencadeia nos ouvintes uma crise: eles tem que se decidir porque com a palavra de Jesus se dá uma divisão entre luz e trevas, vida e morte... Quem aderir à sua pessoa e mensagem, encontrará uma saída feliz e libertadora da crise: a vida eterna.
Jesus pregou uma mensagem que constituia uma crise radical para a situação social, religiosa, política e humana da época. Proclama o Reino de Deus.
A crise que Jesus provoca junto aos seus conterrâneos visa redimir o ser humano, isto é, tirá-lo de seu horizonte limitado e estreito para elevá-lo a um horizonte amplo, próprio de Deus. A crise irrompe quando os dois horizontes se entrechocam.

A novidade de Jesus consiste em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa pelo Templo. Desse modo, Ele aponta para a vida como lugar da Presença.
Jesus nos convida a viver o encontro com Deus no centro de nossa pessoa e da vida mesma. E Ele se faz de “espelho” para nós, para nos revelar como é que é uma vida vivida desse modo: uma existência marcada por um amor compassivo e por um compromisso acolhedor.
Jesus se tornou um sinal de contradição porque permaneceu absolutamente fiel a uma mensagem, a um modo de agir e a uma missão que havia recebido do Pai e que devia realizar com critérios e opções coerentes com o conteúdo do seu Evangelho.
         Falar em conflito na missão de Jesus é o mesmo que falar da fidelidade de Jesus.
         O que tem valor em sua vida é seu Amor fiel, e não os conflitos em si mesmos. A dimensão conflitiva da
         fidelidade de Jesus à missão é o resultado do confronto entre sua missão (que anuncia a justiça do Reino e
         as bem-aventuranças) e a realidade que não quer ouvir e rejeita a novidade  do Reino.
         A conflituosidade na vida de Jesus proveio do choque entre as exigências do Amor e a realidade injusta
         e pecadora. Jesus não cria conflitos;  Ele  os constata ao dar testemunho das exigências do Amor.

Talvez o que mais nos falte hoje em dia seja dirigir nosso olhar sobre “a palavra”, prestar atenção à palavra mesma a partir da espiritualidade.
Podemos chegar, assim, ao “interno conhecimento” da palavra, à reverência para a palavra por ser expressão externa da palavra interior escutada no silêncio, por ser palavra “dirigida” a Alguém.
Sem dúvida, em nossa sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos relevância, cada vez é menos significativa. Atrofiamos as palavras, adocicamo-las, manipulamo-las ou as submetemos a um violento  esvaziamento de significados segundo nossa conveniência.
É preciso uma atenção especial à “palavra ociosa” ou sem direção, a qual não traz benefício próprio nem alheio, nem tem intenção clara. Portanto, “cuidar a palavra é cuidar o mais próprio do ser humano, enquanto que é através dela como se expressa nosso mistério” (Melloni, sj).

É preciso “sentir” a palavra, e isso implica um conhecimento espiritual, que não é nem puramente intelectivo nem puramente afetivo. É palavra que procura traduzir a palavra interior, saber “empalavrar”, ou seja “pôr em palavras” nossa realidade interior e exterior.
Desde o nascimento até à morte, continuamente estamos “empalavrando” nossos sentimentos, sonhos, as-pirações... A palavra abarca todas as expressividades humanas. Ela não se reduz à oralidade. A gestua-lidade, a linguagem corporal, a presença solidária e compassiva... tudo isso também forma parte da pala-vra humana. Os comportamentos éticos também e os valores são formas de “empalavramento”.
As palavras são, ao mesmo tempo, pensamento, ação, sentimento... Para o ser humano só existe o que  pode ser expresso através das palavras.

Vivemos hoje uma “crise gramatical”, ou seja, temos cada vez menos palavras. O leque de palavras carregadas de sentido é muito limitado. Daí a dificuldade de encontrar palavras para nomear a experiência de Deus, para expressar as grandes questões da vida, para dar sentido a uma busca existencial.
Vivemos tempos de “fratura da palavra” e, portanto, “fratura de sentido”. E a raiz disso tudo está na carência de uma interioridade, lugar da gestão das palavras de sabedoria que inspiram nossa vida.
Vivemos cercados de “palavras vãs”, condenados a uma civilização que teme o silêncio (há demasiado ruído em nós e em torno a nós). Fala-se muito para dizer bem pouco.
Jornais, revistas, tevê, outdoors, telefone, face-book, Inter-net, correio eletrônico... há demasiado palavrório. Carece-mos de poesia.

O silêncio é a matriz da palavra. Talhada pelo silêncio, mais significado ela possui.
O tagarela cansa os ouvidos alheios porque seu palavreado crônico ecoa sem consistência.
Já o sábio pronuncia a palavra - empalavra – lavra a palavra do meio do cascalho de sua vida; ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Ele tem a capacidade de aproximar a palavra à experiência, para resgatá-la da insignificância, do anonimato, fazê-la inédita, consciente e podê-la assim confrontar  com a Palavra que, feito carne, entrou em nossa experiência histórica.
Sabem os místicos que, sem calar o palavreado crônico, é impossível ouvir, no segredo do coração, a Palavra de Deus que neles se faz expressão amorosa e ressonância criativa.
A palavra recém saída do forno da experiência está viva, quente... transforma a vida.

Texto bíblico:  Lc. 4,21-30

Na oração: Você é atento ao que fala, o modo como fala, o tom e os sentimentos com que fala?
                     Você consegue distinguir as palavras que salvam e as que arrasam?
Cave palavras nas minas do seu silêncio, e deixe que o Espírito diga a “palavra” misteriosa, diferente, reve-ladora de sua verdadeira identidade. Somente o silêncio poderá gerar “palavras de vida”.