“AMO, LOGO EXISTO”
“Amai-vos
uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo. 15,12)
O
evangelista João põe na boca de Jesus um longo discurso de despedida, no qual
recolhe aquilo que será a marca distintiva dos seus seguidores, para serem
fiéis à Sua pessoa e ao Seu projeto.
Ser
cristão, em primeiro lugar, é uma questão de amor.
O
mandamento do amor não é apresentado como uma lei que torna nossa vida
dura e pesada, mas uma resposta ao que Deus é em cada um de nós, e que
em Jesus se manifestou de maneira contundente. Nosso amor será “um a-mor que
responde a seu amor”.
O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro; trata-se de
manifestar o que é Deus no mais profundo de nosso ser.
Quando
amamos não é preciso dizer que Deus está em nosso coração porque, de uma
maneira melhor, estamos no coração de Deus, participamos do própri-o dom de seu
amor. Encontramo-nos, assim, envolvidos pelo amor de Deus.
Esse amor, ativo e primeiro, suscita em nós a gratidão que nos leva a
corresponder com um amor-serviço; o amor sempre se faz serviço, assim como todo serviço
é inspirado e sustentado pelo amor. Trata-se
da mística do “serviço por puro amor”. Por isso, esse amor é fonte de
alegria, ou seja, um estado permanente de plenitude e bem-estar. Sem amor não é
possível dar passos em direção a um cristianismo mais aberto, cordial, alegre,
simples e amável, onde possamos viver como “amigos” de Jesus.
A
palavra amor, na língua grega, tem vários sentidos bem diferentes (“pornéia”,
“pathé”, “Eros” “phylia” “kháris” “ágape”). Não há
oposição entre elas e nenhuma delas exclui as outras, mas só o “ágape”
ex-pressa o amor sem mistura de interesse pessoal. Seria um puro dom
de si mesmo, só possível em Deus.
Ágape é o amor
divino. Esse amor é o mais raro, o
mais precioso, o mais milagroso.
Estas são algumas características do ágape cristão:
é
um amor espontâneo e gratuito, sem
motivo, sem inte-
resse,
até mesmo sem
justificação, oblativo, expansivo... o puro amor.
Ao
empregar a palavra “ágape”, João está fazendo referência ao amor que
é Deus, ao grau mais elevado do dom de si mesmo.
Deus
não é um Ser que ama, é o Amor. N’Ele, o Amor é sua essência; se
Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de existir. Não podemos esperar
de Deus “amostras pontuais de amor”, porque não pode deixar de demonstrar o
amor um só instante.
O
Amor que é Deus, temos que descobri-lo dentro de nós, como uma realidade
que está unida intima-mente ao nosso ser. Por isso, só há um mandamento:
manifestar esse amor que é Deus, em nossas relações com os outros.
Indecifrável
como a obra de arte, o Amor nem se define nem se enquadra: é cada vez
outro, novo, surpreendente, desconcertante..., embora tão antigo.
S.
João nos diz que “Deus
é Amor (Ágape) e aquele que habita no Amor, habita em Deus e Deus habita
nele”
(1Jo. 4,16). Portanto, é proposto ao ser humano uma experiência. Ele é chamado
para exercitar sua capacidade de gratuidade e graça. Em um mundo onde tudo se
paga, onde nada é gratuito, ele é chamado a ser presença gratuita, a viver a
graça e a gratidão.
O
amor que Deus tem por nós é
absolutamente desinteressado, ativo e criativo, gratuito e livre. Ama o sem valor,
aqueles que não tem valor em si mesmo. O seu Amor é que valoriza o outro. A
criatura não é amada porque tem valor por si mesma, mas tem valor porque é
amada por Deus, que lhe comunica generosamente a sua própria riqueza. Nisso
consiste a Criação: Deus, num transbordamento do seu amor intra-trinitário, deu
o ser ao que não era nada.
O amor
(ágape) impregna o ser humano. “Afeta a totalidade humana; roça a sensibilidade,
aloja-se na medula dos ossos, pulsa nos batimentos cardíacos, arfa na
respiração, circula pelo sangue, aquele o pensamento, rola pelos braços, agita
as mãos, baila na consciência, escorre no olhar, sonoriza-se na palavra,
recolhe-se no silêncio, peregrina nos passos, oculta-se no inconsciente,
murmura na oração...”
(Juvenal Arduini). O Amor é onipresença. “É um estado de ser” (R. May).O
amor é a habitação do ser humano. “O amor jamais acabará” (S. Paulo).
Somos
capazes de Ágape, de amar aquele que não nos ama e não devemos nos
privar dessa liberdade.
O
seguimento de Jesus nos convida a esta liberdade que se encontra na palavra “Ágape”,
o amor da superabundância, o amor de gratuidade, o amor que transborda, que
nada pede em troca. Amar sem ter nada de particular para amar. Amar não a partir de sua carência, mas amar a
partir de sua plenitude. Amar não somente a partir de sua sede, mas amar a
partir de sua fonte, de sua fonte que corre.
O amor
é fazer o vazio dentro de si mesmo, para que haja lugar para o outro. O amor
tem um rosto.
Assim como Deus, que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar
mais lugar, para não invadir, para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de
liberdade... “Amar é encontrar sua riqueza
fora de si”
(Alain).
Para
o poeta Rilke, o amor é constituído por “duas humanidades que se inclinam uma
diante da outra”.
Amor como dom
gratuito de si mesmo. Não é motivado pelo valor do outro, isto é, pela
recompensa que meus gestos de amizade podem trazer-me. Com efeito, neste caso,
não se ama o outro porque ele é bom (como na amizade verdadeira), mas para para
que seja bom, já que o amor quer o bem do amado.
Não
é porque as pessoas são amáveis que devemos amá-las; é na
medida em que as amamos que são (para nós) amáveis. A caridade
é esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito,
espontâneo, de fato, que é a verdade do amor e seu horizonte.
Uma
liberdade de amar o outro em sua diferença, de amar o divino no outro, de amar
o outro como a mim mesmo, reconhecendo-me nele.
O amor
é um estremecimento, um frêmito que desperta em nós o que existe de mais
nobre, puro e humano. Tal como a flor de Lótus, o amor mais nobre tem suas
raízes na lama, na argila de cada um de nós; é o divino germinando nos meandros
do humano. O amor é a realidade que nos faz mais humanos.
Tal
como a água de um rio escavando seu leito profundo, o amor é a força que
nos escava, que alarga e aumenta nossa capacidade de irmos para além de nós
mesmos. Uma das maiores razões para o amor ser uma experiência de expansão se
deve à sensação de imortalidade e eternidade que nos proporciona.
O
amor carrega em si a marca da eternidade. Quem ama vê o tempo se ampliar
e a vida ganhar mais sentido. Alguns dizem que há lugares de nós mesmos que só
passam a existir após o sofrimento ter penetrado ali. Há lugares em nosso
interior que não existem enquanto o amor não tiver penetrado.
O amor
nos torna flexíveis, atentos à inspirações do Espírito; é um estado de escuta,
o desenvolvimento de uma grande atenção em relação a tudo o que vive e respira.
É a natureza humana verdadeira, quando não está entulhada pelo ilusão e pelo
ego. Amar é desfazer-nos de tudo aquilo que acreditamos ser, para que somente
fique em nós o que é Deus.
Para
aprender a amar é preciso sair de nossos hábitos, sair do conhecido; aprender a
amar é sempre uma aventura. Se entrarmos nessa aventura, nossa vida será virada
pelo avesso e completamente questionada.
“O
amor é o que diz sim, em nós”, sim à vida, sim ao compromisso, sim à
compaixão... É preciso encontrar
dentro de nós este estado de sim ao que é. Dizemos que Cristo só
tem sim dentro de si mesmo. É necessário que descubramos em nosso interior,
o sim mais profundo.
Quando
o amor nos habita, tudo se torna sagrado; nossos olhos se tornam contemplativos,
ou seja, o olhar que libera o que há de melhor em nós e no outro.
Transformamo-nos naquilo que olhamos e tornamo-nos aquilo que amamos. O amor
é uma irradiação do nosso ser.
Texto bíblico: Jo. 15,9-17
Na oração: Faça
uma leitura das “marcas” do Amor de
Deus em sua vida; crie um clima de ação
de graças.
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