PENTECOSTES: “a coragem de deixar-se
conduzir pelo Espírito”
“O Espírito
Santo é o bom humor de Deus” (D. Pedro Casaldáliga)
O
relato da aparição do Ressuscitado aparece unido ao dom da paz, da missão,
do Espírito e do perdão.
João,
que não relata o episódio de Pentecostes, já havia situado o dom do
Espírito no momento mesmo da morte de Jesus que, “inclinando a cabeça, entregou
o espírito”. O que agora faz é confirmá-lo como dom do Ressuscitado.
A
imagem de “soprar
sobre eles” contém
uma riqueza profunda: significa compartilhar o que é mais “vital” de
uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo;
trata-se de uma imagem que nos faz sentir a respiração comum que compartilhamos
com Ele e com todos os seres.
As
angústias mais radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro
do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança
contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra
a morte. A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega
impetuoso rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de
onde vem e nem para onde vai.
De
fato, “Espírito” parece ser um dos nomes mais adequados para referir-se
a Deus, enquanto Dinamis-mo de Vida e de Amor que faz com que tudo exista. Desde
o começo do tempo e desde antes, está
acostumado a abrigar sua criação e habitá-la, a fecundar, remover e renovar
tudo quanto existe.
Segundo
o livro do Gênesis, no início da Criação a multiplicidade dos elementos – “águas”
– repre-sentava o caos. Ali o Espírito “pairava”, criando uma
integração harmoniosa – “cosmos”.
Ele
é também Ela e todos os gêneros: é feminino em hebraico (ruah), neutro
em grego (pneuma) e masculino em latim (spiritus).
O
Espírito é dinamismo, vida, relação, comunhão divina. É alento, vento, água. É
ungüento, é consolo, é companhia. Espírito é invenção, é fonte de
criatividade, de autêntica novidade. É fonte
de novas possibilidades no mundo, energia inaugural de novas auroras.
É
a energia materna de Deus que aquece o coração da Criação, e que
tudo sustenta.
Na
bíblia hebraica, o Espírito apresenta forma feminina: é “a Ruah”,
a brisa, o “esvoaçar” de Deus sobre as águas, sopro impetuoso que gera vida, ar
que impulsiona, alento ou respiração que mantém a vitalidade dinâmica do ser
humano. Hálito, sopro, vento, respiração, força, calor... com nome feminino que
fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia.
Há um antigo ícone medieval, uma pintura
muito interessante que se encontra em uma Igreja de Urschalling, na Alemanha,
que representa a Trindade, onde o Espírito, entre as figuras masculinas
do Pai e do Filho, é representado com um rosto e um corpo de mulher. A Ruah,
em hebraico, é sopro que possibilita a existência, o solo de tudo o que vive, é
um termo feminino: “a Espírito”.
Nos relatos da Criação, a Ruah de Deus
gera harmonia no caos, dando a cada criatura seu lugar, o espaço que precisa
para desenvolver suas possibilidade. Nessa relação adequada, cada erva, cada
montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.
Hoje somos conscientes e podemos agradecer essa
presença da Ruah como presença feminima naquelas e naqueles que
se empenham pela paz e pela justiça, em sua cumplicidade com os ciclos que
favorecem a vida, na contribuição do ecofeminismo para a integridade da
Criação.
Desatar a dimensão feminina que mulheres e homens
trazemos dentro de nós é sinal do movimento da Ruah. Acolher em
nós seu potencial de ternura, de cuidado e de resistência frente a todas
aquelas situa-ções e forças que desintegram a vida; fazer da colaboração, da
interdependência, do diálogo e da abertura às diferentes culturas e às
diferentes tradições espirituais maneiras novas e necessárias de situar-nos no
mundo.
O ser humano vive tencionado entre dois pólos, entre
luz e escuridão, entre céu e terra, entre frag-mentação e unidade, entre
espírito e instinto, entre solidão e vida comum, entre medo e desejo, entre
amor e ódio, razão e sentimento... Essa é a terra propícia onde atua o
Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais criativas
possibilidades. Nenhuma situação pode afastar-nos de Sua visita; pelo
contrário, maior desamparo, maior proximidade; maior sofrimento, maior unção.
Toda terra baldia é boa para o Espírito. Ele é o
buscador incansável de fragilidades e de conflitos. No não-amor, na
não-existência, na não-possibilidade, vem com um “sim” ousado e forte que
re-cria de novo nossa história, estabelecendo o “cosmos”
(harmonia e beleza) em nosso “caos” existencial.
Viver
uma “vida segundo o Espírito” é deixar-nos recriar, deixar-nos mover,
transformar, alargar.
Soltar as asas nos momentos mais petrificados e
pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.
De imediato, nos
sentimos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns
instantes, nos atreveremos a “viver
no Vento”.
Eduardo
Galeano tem uma bonita história sobre o vôo do Albatroz que poderia ser uma
parábola sobre a vida conduzida pelo Espírito:
“Vive no vento. Voa sempre, voando dorme. O vento não o cansa nem o desgasta. Aos sessenta
anos, continua dando voltas e mais voltas ao redor do mundo.
O vento lhe
anuncia de onde virá a tempestade e lhe diz onde está a costa. Ele nunca se
perde, nem esquece o lugar onde nasceu; mas a terra não lhe pertence, tampouco
o mar. Suas patas curtas mal conseguem caminhar, e flutuando se enfastia.
Quando o
vento o abandona, espera. Às vezes o vento demora, mas sempre volta: busca-o,
chama-o, e o conduz. E ele se deixa conduzir, se deixa voar, com suas asas
enormes planando no ar”..
Falar
do Espírito e celebrar Pentecostes é, portanto, celebrar a festa, a
vida. Ele é o Sopro último, o Dinamismo vital que pulsa em todas as expressões
de vida que podemos ver e que nelas se manifesta. Não há nada onde não possamos
percebê-lo, nada que não nos fale d’Ele.
Ele
é o“ambiente de realização do ser humano”, porque n’Ele a vida
adquire profundidade, consis-tência..., dando-nos firmeza à vontade, equilíbrio
aos sentimentos e iluminação à mente
Não
é estranho que, com o Espírito, Jesus envia seus discípulos em missão: é
o mesmo Espírito – seu sopro – aquele que quer manifestar-se em nós e
quer que nos deixemos conduzir por Ele, como aconteceu com Jesus.
Textos
bíblicos: Atos 2,1-11 Jo. 20,19-23
Creia
no Espírito Santo, pois
“sem o Espírito Santo, Deus está distante, Cristo permanece no passado, o
Evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade é
tirania, a missão é propaganda, a liturgia é arcaismo, e a vida cristã é uma
moral de escravos.
Mas no
Espírito, e numa sinergia indissociável, o cosmos é enobrecido pela iluminação
do Reino, o ser humano luta contra o egoísmo, o Cristo ressuscitado se faz
presente, o Evangelho é uma força vivifica-dora, a Igreja realiza a comunhão
trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memori-al e
antecipação, e a ação humana é divinizante”. (Patriarca Ignacio de
Antioquia, em Upsala, 1968).
Em nome do
Pai, do Filho e da Santa Ruah. Amém.
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