DESCANSAR:
VERBO DIVINO QUE NOS HUMANIZA
É
comum medir as pessoas pela sua capacidade de trabalhar, produzir.
Por
que não definir as pessoas pela sua capacidade de descansar?
Só
quem aprendeu a arte de descansar sabe
trabalhar e relacionar-se com verda-deiro humanismo.
“Diz-me como descansas e eu te direi como trabalhas e tratas
os outros”.
O
descanso humaniza o trabalho e o
clima das relações que cultivamos com os outros. Descansar é, portanto, uma questão de justiça social, um imperativo
de caridade fraterna.
Muitas vezes os outros são
obrigados a pagar a fatura do nosso cansaço, do ativismo em que nos envolvemos.
Tornamo-nos “cansativos”.
Só
quem vive reconciliado, em 1º lugar consigo mesmo, é que pode
descansar como Deus manda.
O descanso não é uma fórmula mágica de
relaxação dos músculos e nervos, uma receita automática de ritmo biológico. É
sobretudo um modo construtivo de encarar a vida, um clima de paz interior que se
cultiva, um coração disposto a amar em todas as estações, sem condições nem
fronteiras.
Não
se trata de ociosidade egoísta, mas do cultivo da paz e da alegria,
ao serviço dos outros.
Na sociedade
contemporânea, o trabalho invadiu
também o domínio do lazer e do tempo livre; estes devem ser, acima
de tudo, “produtivos”. Para muitos, para tirar o máximo proveito do “tempo
livre”, é preciso planejá-lo e organizá-lo. Férias e fins-de-semana são
admitidos não como um fim, mas
simples-mente porque aumentam a produtividade. O excesso de “stres”
é inimigo do bom desempenho.
A
própria palavra “entretenimento” indica o desejo de não parar. É a busca de
algo que nos distraia para que não possamos estar totalmente presentes.
A diversão nos mantém na superfície de
nós mesmos, evitando o confronto com as grandes questões da vida (medo de confrontar-nos com as questões vitais de nossa existência; medo
de deixar aflorar situações não resolvidas ; medo do contato com o que é
essencial na vida...).
A pergunta que as pessoas fazem
no descanso “o que vamos fazer hoje?”, já vem marcada pela ansieda-de. E
sonhamos com longevidade quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.
É altamente significativo que a Sagrada Escritura, logo no
início do Gênesis, nos apresente Deus a descan-sar dos trabalhos da Criação
(Gen. 2,2-3).
Repousar é uma invenção que tem a marca do próprio Deus
Criador, uma ocupação digna de Deus, su-mamente útil. O
preceito do repouso sabático do povo de Israel é um ponto fundamental da aliança entre Deus e o povo eleito (Ex.
31,13).
A Carta aos Hebreus
sublinha que Deus vive no “descanso
eterno”. A infinita solicitude de Deus por toda a humanidade é exercida com
suma paz e serenidade, em clima de dinâmico descanso.
O descanso é fundamental para a afirmação de Deus como o Senhor de
todos e de toda a criação.
O sábado faz cessar os trabalhos cotidianos e conceder uma folga. É
um dia de protesto contra as servi-dões do trabalho e o culto ao dinheiro.
É necessário dar ao descanso a força de transformação e de profecia
da meta última que nos espera, ou seja, o “repousar de nossos trabalhos” em companhia das obras realizadas com o
Senhor.
Por
que não encarar os tempos de descanso
neste mundo como uma antecipação e um ensaio do descan-so eterno, do repouso
amoroso em Deus, que continuamente age para o nosso maior bem?
Viver
na presença de Deus é caminho certo para viver descansado.
“Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso
coração não descansa enquanto não repousar em Ti” (S. Agostinho)
Todo
esforço precisa seu descanso, toda atividade pede uma parada.
Não
há tensão que não exija um relaxamento, nem atividade continuada que não peça
uma recreação. Os cansaços acabam nos revelando que em nossa vida ativa estamos
amputando certas dimensões do huma-no. Assim, o descanso, em seu sentido nobre, impede que nos convertamos em meros
trabalhadores estressados; ela nos arranca de nossa existência maquinal.
É
sintomático o fato de recorrermos frequentemente ao uso da linguagem da máquina
para expressar o que buscamos com o descanso: “desconectar”,
“tirar da tomada”, “recarregar a bateria”, “recuperar a energia”, “abastecer o
motor”... Sutilmente,
expressamos deste modo como nos percebemos em nos-sa realidade cotidiana e até
que ponto estamos suportando níveis intoleráveis de saturação, de ativismo...
Devemos
buscar, em cada circunstância, fazer do descanso
uma ocasião de subversão de valores, de ques-tionamento de nossa prática
cotidiana, de enraizamento de nossa missão... enfim, de vivê-lo à maneira de Jesus Cristo.
Segundo o evangelho de hoje, as jornadas de Jesus nos
evangelhos parecem ser muito esgotadoras: muitos enfermos lhe são apresentados
para que os toque e os cure, são muitas as pessoas que se aproximam para
escutá-lo, é cobrado em todos os lugares por onde passa, os conflitos com os
fariseus...
Jesus
sentia os cansaços e as pressões, mas ao mesmo tempo sabia fazer “paradas”
para recuperar as forças, para retomar o contato com o sentido de sua vida e de
sua missão, para ser Ele mesmo.
Ele
possuía uma lucidez que proporcionava uma visão profunda das coisas, no clima
de uma paz sempre buscada. Para Jesus, o descanso,
entre outras coisas, era um momento de restauração e reabilitação pessoal que
lhe permitia mergulhar de novo no cotidiano com maior criatividade.
“Vinde sozinhos para um lugar
deserto...” O descanso
não é uma “des-conexão” , senão uma “cone-xão” com aquilo que é o
impulso fundamental de nossa vida cotidiana. O descanso possibilita afastar-nos do rotineiro e nos faz caminhar ao
deserto interior, onde podemos dirigir um olhar contemplativo
sobre a vida cotidiana. Nele nos desprendemos do presente e de sua urgência
tirana.
Por
mais descansos que tenhamos, há cansaços que só se aliviam através do encontro consigo
mesmo, e há descansos que só se conseguem quando nos reconciliamos com o
que somos e vivemos.
No
deserto nos personalizamos, resgatamos nossa identidade; nele temos a chance de
ver a realidade sem instrumentalizá-la, gratuitamente. E só no gratuito é que
descansamos.
O descanso nos conserva humanos; ele ajuda a recuperar um ritmo de
vida mais humanizante (recupera a pessoa e sua capacidade de estabelecer
relações gratuitas com outras pessoas, com a natureza e seus ritmos...). Não
basta simplesmente poder folgar; ter acesso ao verdadeiro descanso é recuperar o sentido da gratuidade das nossas atividades
e que melhoram a vida e a convivência.
O descanso inspira, nos faz criativos,
porque toca as profundezas de nós mesmos e das atividades roti-neiras. “Viver
descansadamente” é encontrar um descanso, uma paz interior, uma
quietude, uma conso-lação, uma satisfação na vida e nas atividades, e que tem
sua raiz na comunhão com Deus que trabalha e descansa. A vida do “contemplativo
na ação” é uma vida ativa vivida “descansadamente”, ou seja, na
presença de Deus, com o coração centrado n’Ele, fazendo somente Sua Vontade...
Texto bíblico: Mc. 6,30-34
Na
oração: “Descansar
é uma arte. Viver descansadamente, uma arte ainda mais delicada” (J.A.
Guerreiro)
- seu descanso: tempo de
humanização ou mais um stress na sua agenda?
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