quinta-feira, 24 de maio de 2012

Próximo domingo é Festa de Pentecostes !!!


PENTECOSTES: a coragem de deixar-se conduzir pelo Espírito

“O Espírito Santo é o bom humor de Deus” (D. Pedro Casaldáliga)

O relato da aparição do Ressuscitado aparece unido ao dom da paz, da missão, do Espírito e do perdão.
João, que não relata o episódio de Pentecostes, já havia situado o dom do Espírito no momento mesmo da morte de Jesus que, “inclinando a cabeça, entregou o espírito”. O que agora faz é confirmá-lo como dom do Ressuscitado.
A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa compartilhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo; trata-se de uma imagem que nos faz sentir a respiração comum que compartilhamos com Ele e com todos os seres.
As angústias mais radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte. A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega impetuoso rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de onde vem e nem para onde vai.

De fato, “Espírito” parece ser um dos nomes mais adequados para referir-se a Deus, enquanto Dinamis-mo de Vida e de Amor que faz com que tudo exista. Desde o começo do tempo e desde antes, está acostumado a abrigar sua criação e habitá-la, a fecundar, remover e renovar tudo quanto existe.
Segundo o livro do Gênesis, no início da Criação a multiplicidade dos elementos – “águas” – repre-sentava o caos. Ali o Espírito “pairava”, criando uma integração harmoniosa – “cosmos”.
Ele é também Ela e todos os gêneros: é feminino em hebraico (ruah), neutro em grego (pneuma) e masculino em latim (spiritus).
O Espírito é dinamismo, vida, relação, comunhão divina. É alento, vento, água. É ungüento, é consolo, é companhia. Espírito é invenção, é fonte de criatividade, de autêntica novidade. É fonte de novas possibilidades no mundo, energia inaugural de novas auroras.
É a energia materna de Deus que aquece o coração da Criação, e que tudo sustenta.

Na bíblia hebraica, o Espírito apresenta forma feminina: é “a Ruah”, a brisa, o “esvoaçar” de Deus sobre as águas, sopro impetuoso que gera vida, ar que impulsiona, alento ou respiração que mantém a vitalidade dinâmica do ser humano. Hálito, sopro, vento, respiração, força, calor... com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia.
Há um antigo ícone medieval, uma pintura muito interessante que se encontra em uma Igreja de Urschalling, na Alemanha, que representa a Trindade, onde o Espírito, entre as figuras masculinas do Pai e do Filho, é representado com um rosto e um corpo de mulher. A Ruah, em hebraico, é sopro que possibilita a existência, o solo de tudo o que vive, é um termo feminino: “a Espírito”.
Nos relatos da Criação, a Ruah de Deus gera harmonia no caos, dando a cada criatura seu lugar, o espaço que precisa para desenvolver suas possibilidade. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.

Hoje somos conscientes e podemos agradecer essa presença da Ruah como presença feminima naquelas e naqueles que se empenham pela paz e pela justiça, em sua cumplicidade com os ciclos que favorecem a vida, na contribuição do ecofeminismo para a integridade da Criação.
Desatar a dimensão feminina que mulheres e homens trazemos dentro de nós é sinal do movimento da Ruah. Acolher em nós seu potencial de ternura, de cuidado e de resistência frente a todas aquelas situa-ções e forças que desintegram a vida; fazer da colaboração, da interdependência, do diálogo e da abertura às diferentes culturas e às diferentes tradições espirituais maneiras novas e necessárias de situar-nos no mundo.

O ser humano vive tencionado entre dois pólos, entre luz e escuridão, entre céu e terra, entre frag-mentação e unidade, entre espírito e instinto, entre solidão e vida comum, entre medo e desejo, entre amor e ódio, razão e sentimento... Essa é a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais criativas possibilidades. Nenhuma situação pode afastar-nos de Sua visita; pelo contrário, maior desamparo, maior proximidade; maior sofrimento, maior unção.
Toda terra baldia é boa para o Espírito. Ele é o buscador incansável de fragilidades e de conflitos. No não-amor, na não-existência, na não-possibilidade, vem com um “sim” ousado e forte que re-cria de novo nossa história, estabelecendo o “cosmos” (harmonia e beleza) em nosso “caos” existencial.


Viver uma “vida segundo o Espírito”  é deixar-nos recriar, deixar-nos mover, transformar, alargar.
Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença.
De imediato, nos sentimos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver no Vento”.
Eduardo Galeano tem uma bonita história sobre o vôo do Albatroz que poderia ser uma parábola sobre a vida conduzida pelo Espírito:
“Vive no vento. Voa sempre, voando dorme. O vento não o cansa nem o desgasta. Aos sessenta anos, continua dando voltas e mais voltas ao redor do mundo.
O vento lhe anuncia de onde virá a tempestade e lhe diz onde está a costa. Ele nunca se perde, nem esquece o lugar onde nasceu; mas a terra não lhe pertence, tampouco o mar. Suas patas curtas mal conseguem caminhar, e flutuando se enfastia.
Quando o vento o abandona, espera. Às vezes o vento demora, mas sempre volta: busca-o, chama-o, e o conduz. E ele se deixa conduzir, se deixa voar, com suas asas enormes planando no ar”..

Falar do Espírito e celebrar Pentecostes é, portanto, celebrar a festa, a vida. Ele é o Sopro último, o Dinamismo vital que pulsa em todas as expressões de vida que podemos ver e que nelas se manifesta. Não há nada onde não possamos percebê-lo, nada que não nos fale d’Ele.
Ele é o“ambiente de realização do ser humano”, porque n’Ele a vida adquire profundidade, consis-tência..., dando-nos firmeza à vontade, equilíbrio aos sentimentos e iluminação à mente
Não é estranho que, com o Espírito, Jesus envia seus discípulos em missão: é o mesmo Espírito – seu sopro – aquele que quer manifestar-se em nós e quer que nos deixemos conduzir por Ele, como aconteceu com Jesus.

Textos bíblicos:  Atos 2,1-11   Jo. 20,19-23

Creia no Espírito Santo, pois “sem o Espírito Santo, Deus está distante, Cristo permanece no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade é tirania, a missão é propaganda, a liturgia é arcaismo, e a vida cristã é uma moral de escravos.
Mas no Espírito, e numa sinergia indissociável, o cosmos é enobrecido pela iluminação do Reino, o ser humano luta contra o egoísmo, o Cristo ressuscitado se faz presente, o Evangelho é uma força vivifica-dora, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memori-al e antecipação, e a ação humana é divinizante”. (Patriarca Ignacio de Antioquia, em Upsala, 1968).

                                          Em nome do Pai, do Filho e da Santa Ruah. Amém.

terça-feira, 15 de maio de 2012


ASCENSÃO: olhar o divino para descobrir o humano

                  contemplar o céu para comprometer-se com o mundo



“A maior consolação que descobrira era contemplar o céu e as estrelas. Fazia-o muitas vezes e por muito tempo, porque com isto sentia em si um grande desejo para servir a Nosso Senhor (S. Inácio)



“Ressurreição”, “Ascensão”, “sentar-se à direita de Deus”, “envio do Espírito”, são todas realidades pascais. Em todas elas queremos expressar a mesma verdade: o final “deste Homem” Jesus, não foi a morte, mas a Vida. O mistério pascal é tão rico que não podemos abarcá-lo com uma única imagem; por isso temos que desdobrá-lo para ir aprofundando calmamente e expressá-lo no nosso modo de viver o seguimento de Jesus.

Os três dias para a Ressurreição, os quarenta dias para a Ascensão, os cinqüenta dias para a vinda do Espírito, não são tempos cronológicos, mas teológicos. Eles nos revelam a maneira de ser de Deus, não o tempo em que Ele atua.

A Ascensão nos faz refletir sobre um aspecto do mistério pascal. Trata-se de descobrir que a posse da Vida por parte de Jesus é total. Participa da mesma Vida de Deus e, portanto, está no mais alto do “céu”.

Nem Mateus, nem Marcos, nem João, nem Paulo, mas somente Lucas, no final de seu Evangelho e, mais detalhadamente, no começo dos “Atos dos Apóstolos”, narra a Ascensão como um fenômeno constatável pelos sentidos.

Lucas, em seu Evangelho, põe todas as aparições e a Ascensão no mesmo dia. No entanto, nos Atos dos Apóstolos, ele fala de quarenta dias de permanência de Jesus com seus discípulos, provavelmente como um modo de indicar que eles haviam recebido a formação necessária para levar adiante a missão (“qua-renta dias” com o mestre era o tempo que o discípulo precisava para alcançar uma preparação adequada).



Ao mistério da Ascensão corresponde o mistério da Kénosis (esvaziamento) do Verbo; o Deus que se despojou de sua glória e majestade e se fez homem, agora é elevado aos céus e com Ele toda a humanida-de redimida e divinizada. Em Cristo, a humanidade inteira já se encontra envolvida por Deus; em Cristo, céu e terra se encontram.


Celebrando a glorificação de Cristo, tomamos consciência de nossa própria vocação à glória. Ao celebrarmos a entrada de Jesus na glória, não celebra-mos uma despedida, mas um novo modo de presença; celebramos que Ele é, realmente, o Emanuel, o Deus-conosco para sempre.



No Evangelho de hoje, a despedida de Jesus é descrita com singeleza; não produz tristeza, mas alegre confiança, enquanto os discípulos se preparam na oração para assumir a missão.

Ao partir para o Pai, Jesus não nos abandona, pois realizou uma comunhão

definitiva com a humanidade, garantindo a ela um destino de plenitude.

Ele subiu ao céu para abrir-nos o caminho, mas agora é o Espírito aquele  que nos move e nos conduz ao Pai. Cabe a nós, agora, esforçar-nos em fazer o nosso êxodo, sob a ação do mesmo Espírito e confiantes na fidelidade de Deus. 

A Ascensão de Cristo ao céu nos torna encarregados da missão à qual Ele, em sua glória, preside. Nós é que devemos reinventá-la a cada momento.



Portanto, a Ascensão de Jesus marca o início de nossa missão, ou seja, um novo modo de presença no mundo. Viver com os olhos voltados para o Senhor glorioso não nos dispensa de estar com os dois pés no chão, afundados na terra da história.

Na dinâmica do Tempo Litúrgico, após uma longa e criativa caminhada com Jesus, a liturgia nos faz “desaparecer em Deus” , como o Cristo da Ascensão “desapareceu em Deus”. Não há mais nada a não ser Deus. A Ascensão é abertura para o cotidiano, para a realidade do serviço. É preciso partir e viver o chamado do Mestre ao longo da experiência.

Na Ascensão, enquanto Jesus “sobe” ao Pai, nós “descemos”  à realidade para transformá-la, tornando presente o Reino. Quando amamos, cuidamos, servimos... nos elevamos. O que nos eleva está em nosso interior. E nos elevamos à medida em que descemos em direção à humanidade.

Essa Ascensão não pode ser feita às custas dos outros, senão servindo e cuidando de todos. Como Jesus, a única maneira de alcançar a meta é descendo até o mais fundo. Aquele que mais desceu, é o que mais alto subiu.



A Ascensão é o lugar onde vai acontecer uma mudança profunda na vida de cada seguidor de Jesus: partimos para a missão; deixamos a Terra Santa, como os Apóstolos, e até o fim da vida seremos os peregrinos de Cristo. Somos arrancados de tal experiência para adentrar-se em um caminho de segui-mento de horizontes desconhecidos, mas centrados no compromisso apostólico da missão na e da Igreja.

“Passamos” da particularidade de um lugar para a universalidade da missão.

O desejo de seguir e servir a Cristo abarca o mundo todo.

Nossa meta, como a de Jesus, é ascender até o mais alto, o Pai. Mas tendo em conta que nosso ponto de partida é também, como no caso de Jesus, o mesmo Deus.

Muitas vezes preferimos seguir um Jesus no “céu”. Descobri-lo dentro de si mesmo, nos outros e no mundo é demasiado exigente e comprometedor. Muito mais cômodo é continuar olhando para o céu... e não sentir-se implicado naquilo que está acontecendo ao nosso redor.



A festa da Ascensão nos revela que vivemos o “tempo do Espírito”, tempo de criatividade, de ousadia, de novidade... O Espírito não proporciona aos seguidores de Jesus “receitas eternas”. Por isso, não podemos ficar olhando para cima. O Espírito nos dá luz e inspiração para voltar a cabeça para a realidade, buscando caminhos sempre novos para prosseguir hoje a missão de Jesus.

Torna-se necessário descruzar os braços, deixar de olhar passivamente para o céu e, com os pés plantados no chão, prosseguir a obra iniciada por Jesus.

O mistério da Ascensão nos sensibiliza e nos capacita para aproximar-nos do nosso mundo com uma visão mais contemplativa. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da humanidade.

A pessoa contemplativa, movida por um olhar novo, entra em comunhão com a realidade tal como ela é.

Ascensão nos convida a olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que existem no mundo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e por isso gerado de misericórdia; um olhar que compromete solidariamente.



Enfim, a celebração do mistério da Ascensão nos impulsiona, ao mesmo tempo, para Deus e para o mundo. Paixão por Deus e paixão pelo mundo. Podemos assim estar sempre enraizados firmemente em Deus e, ao mesmo tempo, imersos no coração do mundo. O cristão é tão familiar com Deus que admira e se encanta com a variedade e a multiplicidade do mundo, e não teme o mundo com toda sua complexida-de. Ao mesmo tempo, é tão familiar com o mundo que sente o Espírito de Deus que trabalha em todos os lugares e da maneira mais inesperada. “Fora do mundo não há salvação” (E. Eschillebeeckx).



Textos bíblicos:  Mc. 16,15-20   Atos 1,1-11   Ef. 1,17-23



Na oração:  Que nossa ascensão seja: romper as cadeias de injustiça e morte; derrubar toda parede e muro;

ir pela vida como samaritano; mostrar os caminhos ascendentes; oferecer razões de esperança; despertar o instinto criativo; interpretar os sinais dos tempos; pôr o coração nas estrelas...


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Evangelho do Dia das Mães.


AMO, LOGO EXISTO



“Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo. 15,12)



O evangelista João põe na boca de Jesus um longo discurso de despedida, no qual recolhe aquilo que será a marca distintiva dos seus seguidores, para serem fiéis à Sua pessoa e ao Seu projeto.

A nova comunidade não se caracterizará por pertencer a uma determinada religião, nem por doutrinas, nem ritos, nem normas morais... mas por viver no amor com que Jesus nos ama, o Amor que tem sua fonte no Pai. Amar como Ele é transformar-se n’Ele.





Ser cristão, em primeiro lugar, é uma questão de amor.

O mandamento do amor não é apresentado como uma lei que torna nossa vida dura e pesada, mas uma resposta ao que Deus é em cada um de nós, e que em Jesus se manifestou de maneira contundente. Nosso amor será “um a-mor que responde a seu amor”. O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro; trata-se de manifestar o que é Deus no mais profundo de nosso ser.

Quando amamos não é preciso dizer que Deus está em nosso coração porque, de uma maneira melhor, estamos no coração de Deus, participamos do própri-o dom de seu amor. Encontramo-nos, assim, envolvidos pelo amor de Deus.

Esse amor, ativo e primeiro, suscita em nós a gratidão que nos leva a corresponder com um amor-serviço; o amor sempre se faz serviço, assim como todo serviço é inspirado e sustentado pelo amor. Trata-se da mística do “serviço por puro amor”. Por isso, esse amor é fonte de alegria, ou seja, um estado permanente de plenitude e bem-estar. Sem amor não é possível dar passos em direção a um cristianismo mais aberto, cordial, alegre, simples e amável, onde possamos viver como “amigos” de Jesus.



A palavra amor, na língua grega, tem vários sentidos bem diferentes (“pornéia”, “pathé”, “Eros” “phylia” “kháris” “ágape”). Não há oposição entre elas e nenhuma delas exclui as outras, mas só o “ágape” ex-pressa o amor sem mistura de interesse pessoal. Seria um puro dom de si mesmo, só possível em Deus.

Ágape é o amor divino. Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso.

Estas são algumas características do ágape cristão: é um amor espontâneo e gratuito, sem motivo, sem inte-

                                                                          resse, até  mesmo sem  justificação, oblativo, expansivo... o puro amor.

Ao empregar a palavra “ágape”, João está fazendo referência ao amor que é Deus, ao grau mais elevado do dom de si mesmo.

Deus não é um Ser que ama, é o Amor. N’Ele, o Amor é sua essência; se Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de existir. Não podemos esperar de Deus “amostras pontuais de amor”, porque não pode deixar de demonstrar o amor um só instante.

O Amor que é Deus, temos que descobri-lo dentro de nós, como uma realidade que está unida intima-mente ao nosso ser. Por isso, só há um mandamento: manifestar esse amor que é Deus, em nossas relações com os outros.



Indecifrável como a obra de arte, o Amor nem se define nem se enquadra: é cada vez outro, novo, surpreendente, desconcertante..., embora tão antigo.

S. João nos diz que “Deus é Amor (Ágape) e aquele que habita no Amor, habita em Deus e Deus habita nele” (1Jo. 4,16). Portanto, é proposto ao ser humano uma experiência. Ele é chamado para exercitar sua capacidade de gratuidade e graça. Em um mundo onde tudo se paga, onde nada é gratuito, ele é chamado a ser presença gratuita, a viver a graça e a gratidão.

O amor que Deus tem por nós é absolutamente desinteressado, ativo e criativo, gratuito e livre. Ama o sem valor, aqueles que não tem valor em si mesmo. O seu Amor é que valoriza o outro. A criatura não é amada porque tem valor por si mesma, mas tem valor porque é amada por Deus, que lhe comunica generosamente a sua própria riqueza. Nisso consiste a Criação: Deus, num transbordamento do seu amor intra-trinitário, deu o ser ao que não era nada.



O amor (ágape) impregna o ser humano. “Afeta a totalidade humana; roça a sensibilidade, aloja-se na medula dos ossos, pulsa nos batimentos cardíacos, arfa na respiração, circula pelo sangue, aquele o pensamento, rola pelos braços, agita as mãos, baila na consciência, escorre no olhar, sonoriza-se na palavra, recolhe-se no silêncio, peregrina nos passos, oculta-se no inconsciente, murmura na oração...” (Juvenal Arduini). O Amor é onipresença. “É um estado de ser” (R. May).O amor é a habitação do ser humano. “O amor jamais acabará” (S. Paulo).

Somos capazes de Ágape, de amar aquele que não nos ama e não devemos nos privar dessa liberdade.

O seguimento de Jesus nos convida a esta liberdade que se encontra na palavra “Ágape”, o amor da superabundância, o amor de gratuidade, o amor que transborda, que nada pede em troca. Amar sem ter nada de particular para amar.  Amar não a partir de sua carência, mas amar a partir de sua plenitude. Amar não somente a partir de sua sede, mas amar a partir de sua fonte, de sua fonte que corre.



O amor é fazer o vazio dentro de si mesmo, para que haja lugar para o outro. O amor tem um rosto.

Assim como Deus, que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar mais lugar, para não invadir, para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de liberdade... “Amar é encontrar sua riqueza fora de si” (Alain).

Para o poeta Rilke, o amor é constituído por “duas humanidades que se inclinam uma diante da outra”.

Amor como dom gratuito de si mesmo. Não é motivado pelo valor do outro, isto é, pela recompensa que meus gestos de amizade podem trazer-me. Com efeito, neste caso, não se ama o outro porque ele é bom (como na amizade verdadeira), mas para para que seja bom, já que o amor quer o bem do amado.

Não é porque as pessoas são amáveis que devemos amá-las; é na medida em que as amamos que são (para nós) amáveis.  A caridade é esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito, espontâneo, de fato, que é a verdade do amor e seu horizonte. Uma liberdade de amar o outro em sua diferença, de amar o divino no outro, de amar o outro como a mim mesmo, reconhecendo-me nele.



O amor é um estremecimento, um frêmito que desperta em nós o que existe de mais nobre, puro e humano. Tal como a flor de Lótus, o amor mais nobre tem suas raízes na lama, na argila de cada um de nós; é o divino germinando nos meandros do humano. O amor é a realidade que nos faz mais humanos.

Tal como a água de um rio escavando seu leito profundo, o amor é a força que nos escava, que alarga e aumenta nossa capacidade de irmos para além de nós mesmos. Uma das maiores razões para o amor ser uma experiência de expansão se deve à sensação de imortalidade e eternidade que nos proporciona.

O amor carrega em si a marca da eternidade. Quem ama vê o tempo se ampliar e a vida ganhar mais sentido. Alguns dizem que há lugares de nós mesmos que só passam a existir após o sofrimento ter penetrado ali. Há lugares em nosso interior que não existem enquanto o amor não tiver penetrado.



O amor nos torna flexíveis, atentos à inspirações do Espírito; é um estado de escuta, o desenvolvimento de uma grande atenção em relação a tudo o que vive e respira. É a natureza humana verdadeira, quando não está entulhada pelo ilusão e pelo ego. Amar é desfazer-nos de tudo aquilo que acreditamos ser, para que somente fique em nós o que é Deus.

Para aprender a amar é preciso sair de nossos hábitos, sair do conhecido; aprender a amar é sempre uma aventura. Se entrarmos nessa aventura, nossa vida será virada pelo avesso e completamente questionada.

“O amor é o que diz sim, em nós”, sim à vida, sim ao compromisso, sim à compaixão... É preciso encontrar dentro de nós este estado de sim ao que é. Dizemos que Cristo só tem sim dentro de si mesmo. É necessário que descubramos em nosso interior, o sim mais profundo.

Quando o amor nos habita, tudo se torna sagrado; nossos olhos se tornam contemplativos, ou seja, o olhar que libera o que há de melhor em nós e no outro. Transformamo-nos naquilo que olhamos e tornamo-nos aquilo que amamos. O amor é uma irradiação do nosso ser.



Texto bíblico:  Jo. 15,9-17



Na oração: Faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida; crie um clima de ação de graças.


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Para ajudar no Evangelho do próximo domingo.


CONECTADOS À VIDAJo. 15,1-8

“Eu sou a videira e vós os ramos” (Jo. 15,5)

Se há algo que caracteriza nosso tempo é a nova consciência de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Todos já sabemos que tudo está interconectado: a globalidade é interação. Lentamente vai-se tomando consciência de que formamos parte de um todo. Há em nós uma necessidade básica de viver conectados com os outros, de entrar em relação com o mundo.
Este tempo pede de nós “uma espiritualidade da conexão”, da busca da experiência da Unidade, de estender pontes entre culturas, raças, sexos, crenças religiosas, ideologias, de romper fronteiras, de estreitar laços, de criar espaços acolhedores... Precisamos sair de nossos pequenos círculos para criar vínculos com tantas pessoas, grupos, organizações sociais e movimentos que buscam outra globalização, a globalização da solidariedade, da interconexão responsável, da comunhão universal.
       “Conectar computadores é um trabalho. Conectar pessoas é uma arte (Eckart Wintzen)
O desafio que se apresenta diante de nossos olhos é o de sermos fiéis à realidade para poder descobrir nela a novidade de Deus, uma experiência “mística” que nos faça tocar o mais profundo de tudo, e como conseqüência, denunciar o que obstrui e mata este dom novo de Deus.
Também através dos “chips”, “bytes” e “satélites” de nosso universo eletrônico o Espírito se infiltra.
Através dos circuitos eletrônicos nos aproximamos da solidariedade universal, da busca da transcendên-cia, da defesa do meio ambiente, da luta em favor da vida, do compromisso com a justiça...
Nessa direção, a oração cristã é um grande corretivo, é um convite a sentir-nos com os outros, a conec-tar-nos com todos e a viver em comunidade. Nela dizemos que nossa origem e nosso destino é comum (viemos de Deus e voltamos para Deus) e pedimos juntos o acontecer do Reino.

A imagem da videira e dos ramos, no Evangelho de hoje, nos revela a teia das relações, das inter-de-pendências e da comunhão de todos com a Fonte originária de tudo. Pertencemos a uma comunidade cósmica de vida tal como foi criada e sustentada por Deus. Somos quem somos somente na relação e por  nossa relação com todas as criaturas e com o próprio Criador; somos alimentados pela mesma seiva divina, que tudo sustenta com sua mão providente.
Isto significa que há uma unidade fundamental que perpassa todas as partes do universo, na forma de uma “rede”. Nós, seres humanos, também fazemos parte desta vasta rede de inter-relações, conectados a todos os elementos da natureza, desde a menor célula até a ecologia global.
Sentimo-nos impulsionados pela seiva do Espírito que alimenta as energias do universo e a nossa própria energia vital e espiritual. Conectar-se com a videira possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio nas relações; viver em profunda fusão com a videira desperta as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda bondade aí presente.
Sem a seiva divina que nos atravessa nunca poderemos dar o verdadeiro fruto.

No entanto, percebemos, no contexto atual, que o ser humano tem perdido o contato e a comunhão com o cosmos e com os seus semelhantes, recusando receber a seiva que a todos alimenta; ele está conec-tado com tudo e com todos e, no entanto, tal conexão não lhe nutre, nem lhe oferece sentido à sua exis-tência. A compulsão dos meios eletrônicos o ameaça de superficialidade, de individualismo e de isolamen-to. Isto tem provocado nele toda espécie de mal-estar, de doenças, de conflito e divisão, de insegurança, de ansiedade, de solidão, de aridez existencial... É aguda a consciência de uma fragmentação do eu interior.
A verdadeira nobreza do ser humano consiste nisto: há nele “algo” de interior, decorrente de sua profun-da conexão com a Videira, de onde recebe a seiva que o nutre e o faz entrar em relação com tudo e com todos; há nele uma força latente, como uma energia fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar continuamente, aumenta a sua capacidade de resistência, estimula-o a alcançar aqui-lo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade, o bem, o amor...
Com a presença desta força interior, a pessoa se sente guiada pelo seu dinamismo, que lhe proporciona saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva. É esta força que comanda os melhores momentos da vida humana como um princípio ativo, dinâmico, criativo... Tais forças primordiais, vitais, presentes nas dife-rentes etapas do crescimento, são essenciais ao ser humano, graças às quais ele se orienta diante das soli-citações da vida pessoal e das múltiplas escolhas, constrói a sua vida pessoal, reforça as relações comu-nitárias e sustenta o seu compromisso solidário no caminho em direção à plenitude do seu ser.

Quando esta “força vital” permanece bloqueada, o ser humano perde a direção, seca a criatividade e o gosto por viver, não faz progredir a sua potencialidade e demite-se da própria vida.

É decisivo religar-se à Fonte e aproveitar, para o desenvolvimento integral da personalidade, os abundan-tes nutrientes e recursos presentes nas profundezas do coração humano. São forças construtivas e autôno-mas, livres de influências externas, que devem ser colocadas a serviço da construção de uma personalidade sadia, equilibrada e mais rica. Com isso, todo seu interior se alarga e se dilata.
A seiva de nosso ser essencial constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, abrir-nos a ela, fazer-nos trans-parentes a ela e vivê-la cada dia constituem a plenitude de nossa realização.
É seiva divina, presente no eu mais profundo, que nos arranca de nosso fechamento e nos faz ir para além de nós mesmos; ela nos abre  a uma Realidade maior que nos transcende; é ela que nos faz perceber que temos no coração um espaço que está feito à medida de Deus. 
Precisamos viver mais nas raízes de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profun-da e autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser, a partir de nosso ser essencial.
E viver a partir de nosso ser essencial é nossa autêntica realização e plenitude. É chegar a integrar e harmonizar todos os níveis de nossa pessoa: corpo, mente, afetividade, coração... com a fonte de nossa vida. Intuímos um poço tão precioso dentro de nós, uma fonte tão profunda... Muitas vezes, passamos a vida buscando água em poços alheios, e não descobrimos nosso manancial.
Trata-se de descer em profundidade, de achar o nosso centro, aquele ponto de gravidade por onde passa o eixo do nosso equilíbrio pessoal. A oração nos ajuda a encontrá-lo e a ampliá-lo.

É nesse conjunto de recursos e dinamismos vitais que a Graça (seiva) de Deus trabalha; Ela pode ser considerada como uma presença dinâmica, um estimulante das energias latentes do eu.
A presença da seiva é um reforço, um suporte, um energético do eu, uma ativadora das capacidades do eu; ela não constrange, não violenta, mas ajuda, esclarece, mobiliza as energias presentes, facilita largamente a missão de cada um.
Mais ainda, o Espírito habita nosso ser profundo, sustenta nossas energias sadias, aumenta nossas forças, compromete-nos a crescer de forma autônoma. Ele age como um “princípio dinâmico” e como um “energético ativo”, que reforça as atividades criativas do eu. Temos de viver a partir do Espírito, trans-formando e vitalizando nossos gestos, pensamentos, compromissos, encontros.

Na oração: Eu canto por ser ramo, unido à Videira. Sou ramo que se alarga, ampli-
                       ando a minha vida. Eu deixo vida feita folha verde e cachos de uvas. Sou ramo e jorro minha vida feito vinho saboroso. Sou ramo desde a origem. Sou ramo ligado à Videira. Sou ramo alimentado pelo vigor  incontido da seiva.
Alguém vive em mim no silêncio. Alguém que conhece o bem, a verdade, a líber-dade. Levo a Videira em minhas entranhas como um canto de libertação. Meu “interior” conhece a Videira. Conhece a Vida.
Sua Vida é minha vida. Seu viver é meu viver. Para mim, a vida é sua Vida. Sou ramo. Meu interior conhece a seiva da Videira. É algo como o espírito que me anima.
É algo que me “marca”, que me dá identidade. Se a Videira não me tivesse dado sua vida através de sua seiva, hoje eu não seria ramo.
Sou ramo e deixo a seiva transbordar em mim. A Videira se fez minha liberdade e minha força. A Videira me deu um nome: ramo. Sou peregrino no “silêncio”.
Sou ramo e o serei para sempre. Ramo sem fronteiras. Ramo sem cálculos. Ramo transbordante.
Sou para a aventura, sou para o desconhecido, sou para o novo, sou para o amanhã...
Sou fecundo como a Videira. Eu sei que em minha Vidaraízes eternas. Eu sei que vivo desde a origem. Eu sei que me alargarei enquanto chegue a vida da Videira.
Sou ramo e quero gritar bem alto. Sou ramo e vivo. Amo minha vida e não quero abafá-la. Amo minha vida e não quero morrer sufocado, desconectado da Videira. Grito a ti Videira, Fonte de minha vida!