sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Eduardo Machado de repouso!!


Repouso absoluto

             Estou de molho. Uma cirurgia (timpanomastoidectomia no ouvido esquerdo) reduziu-me à condição de repouso absoluto por pelo menos quinze dias.
            Em princípio a expressão é sedutora, atraente e confortante; “repouso absoluto”. É o que desejamos quando pensamos em férias, feriados e fins de semana. Relaxar, descansar, ter tempo para curtir pequenos prazeres domésticos como ler um livro ou ver um bom filme na TV. A realidade, no entanto, é outra.
            O repouso forçado acaba por ser um incômodo. A casa fica grande ou pequena demais. Falta paciência. Há dores, coceira sob o capacete de gaze, remédios com hora marcada em horas que custam a passar.
            Já vivi essa experiência muitos e muitos anos atrás. Por meses estive em repouso absoluto. Um exercício de humildade e paciência, comigo e com os outros. Repito a dose, agora, com mais idade e menos paciência.
            Por natureza sou ativo, apesar de não abrir mão dos meus momentos de quietude e silêncios. Cultivo com desvelo o princípio inaciano de ser contemplativo na ação e ativo na contemplação. Agora, com tempo e limitações, o exercício se torna mais desafiador.
            É que na rotina agitada do meu dia a dia tenho que abrir espaços para o silêncio. Buscar o refúgio do meu lugar sagrado, aguçar o sentidos, afinar a sintonia com meu mundo interior. Pára o mundo que eu quero entrar!
            Mas o mundo não pára e é preciso exercitar o entrar em si com tudo em movimento.
            Paradoxalmente, agora que tudo se move lentamente à minha volta, estou com dificuldades de silenciar meu coração. Sinto falta do trânsito, da tirania do relógio, das tarefas diárias. Sinto falta do centro da cidade, onde trabalho, das buzinas, do movimento dos carros, da vida que pulsa no meu Belo Horizonte. Sinto falta do encontro com pessoas que não conheço.
            Na TV ditadores acuados, terremotos, violência policial, políticos corruptos, o cardápio de sempre. Vargas Lhosa espera ali na estante que eu tenha paciência para recomeçar a leitura. Difícil me concentrar, com esse ouvido borbulhante.
            O que me resta é a tudo contemplar pelas janelas, do quarto e da alma, cenários que me parecem distantes e intocáveis. Conto as horas para a consulta com o médico, oportunidade de sair à rua, trocar o curativo, os cenários, quem sabe, tirar esse incômodo capacete que me dá aparência de múmia.
            Repouso absoluto. Repouso forçado. Pouso forçado num descanso indesejado.

Eduardo Machado
23/02/2011

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