sexta-feira, 13 de maio de 2011

Para rezar no domingo-Texto do Padre Adroaldo

BOM PASTOR: JESUS, “HOMEM-DE-CUIDADO


O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por sérios analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar na atual civilização. Ele aparece sob o fenômeno do “descuido”, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado.
A crise generalizada que afeta a humanidade se revela pelo descuido e pela falta de cuidado com que se tratam realidades importantes da vida: a destruição da natureza, a contaminação e a poluição ambi-ental, os moradores de rua, as crianças condenadas a trabalhar como adultos, os aposentados, os idosos, os indígenas, a marginalização dos negros e da mulher, a saúde pública, a educação mínima, a moradia digna, etc...
Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra...
É urgente uma práxis de cuidado, de re-ligação, de benevolência, de paz perene para com a Terra, para com a vida, para com a sociedade e para com o destino das pessoas, especialmente das grandes maiorias empobrecidas e condenadas da Terra.

O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. Diante das realidades vulneráveis faz-se necessário despertar as consciências para a prática do cuidado.
O cuidado é algo mais que um ato ou uma virtude entre outras.
O cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, é um “modo-de-ser essencial” do ser humano.
É uma dimensão fontal, originária, primeira, impossível de ser totalmente esvaziada.
É o cuidado que nos faz sensíveis e nos compromete com quem está à nossa volta.
É o cuidado que nos une às criaturas e nos envolve com as pessoas.
É o cuidado que desperta encantamento face à grandeza do firmamento, suscita veneração diante da complexidade da Mãe-Terra e alimenta enternecimento face á fragilidade de um recém-nascido.
Pelo cuidado, o ser humano se religa ao mundo afetivamente, responsabilizando-se por ele.

Jesus de Nazaré foi aquele que mais encarnou o “modo-de-ser-cuidado”.
Revelou à humanidade o “Deus-Cuidado”, experimentando Deus como Pai e Mãe divinos que cuida de cada cabelo de nossa cabeça, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para todos (Mt. 5,45; Lc. 21,18).
Jesus mostrou cuidado especial com os pobres, os famintos, os discriminados e os doentes.
Pelo cuidado, Jesus maravilhou-se diante do milagre da vida e solidarizou-se com os humanos fragili-zados e excluídos. As parábolas do bom samaritano, que mostra a compaixão pelo caído na estrada (Lc. 10,30-37), a do filho pródigo acolhido e perdoado pelo pai (Lc. 15,11-32), e, sobretudo, a do Bom Pastor (Jo. 10,1-18) são expressões exemplares de cuidado e de plena humanidade.

Jesus, em seu ministério “cuidador” transformou a vulnerabilidade em possibilidade, a fraqueza em força, a dor em alegria... O evangelista Marcos diz com extrema finura: “Ele fez bem todas as coisas; fez sur-dos ouvir e mudos falar” (Mc. 7,37).
Sua presença e sua intervenção nos revelam o compromisso com a vida, a afirmação da dignidade e da sacralidade de cada pessoa, bem como a reintegração  dos excluídos na comunidade humana. Jesus é um bió-filo (amigo da vida), pois revela uma especial atenção e zelo pela vida, seja da natureza, seja do ser humano. Cada vida é um cenário de manifestação do Pai. Tudo lhe causava admiração e encantamento.
Para Jesus, a cada dia o Pai chama as criaturas pelo nome e as convoca à vida: as águas fluem, os animais procriam, os astros retomam seu curso e o ser humano acorda para o louvor de Deus e o cumprimento de suas tarefas. Pela ação providente e cuidadosa do Pai, a Criação inteira se refaz de crepúsculo em crepúsculo e de aurora em aurora.

Jesus resgatou a centralidade da compaixão, do sentimento, do cuidado e da ternura para com todas as manifestações da vida. Resgatou a dimensão anima, presente como princípio no homem e na mulher, ou seja, a capacidade de se ter cuidado em tudo quanto se faz, de sentir, de ter compaixão, de perceber o Espírito perpassando todas as coisas... É o princípio anima que faz do ser humano um ser espiritual, um ser ético, capaz de responsabilidade, de veneração e de respeito e abre o seu coração para vislumbrar a sacralidade do universo.

Jesus foi um “homem-de-cuidado” e deixou aos seus seguidores um “modo de proceder” fundado no cuidado (cf. parábola do bom samaritano).
Enchemo-nos de cuidado com tudo que para nós significa sentido e valor.
Não habitamos o mundo somente através do trabalho, mas fundamentalmente através do cuidado e da amorosidade. É aqui que aparece o “humano” do ser humano.
Cuidar é dar atenção com ternura, isto é, descentrar-nos de nós mesmos e sair em direção ao outro, sentir o outro como outro, participando da sua existência; cuidar é mais que um ato; é uma atitude “kenótica”, porque exige o esvaziamento de nós mesmos para deixar o mistério do outro encontrar abrigo em nosso coração. “Não temos cuidado; somos cuidado”. Sem cuidado deixamos de ser humanos.
É a partir do cuidado que colocamos limite a toda voracidade neurótica de ter e poder; a partir do cuidado acontece a passagem da lógica da conquista para a lógica da gratuidade, da intervenção para a interação-comunhão, da exploração para a sintonia-cordialidade, do poder-produção para a atenção-res-peito-acolhimento...
O cuidado é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade. Cuidar é envolver-se com o outro, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger. Quer conhecer o outro com o coração e não com a cabeça.
Por isso precisamos do espírito de gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, para acolhê-lo na sua diferença. O amor é a expressão mais alta do cuidado, porque tudo o que amamos também cuidamos. E tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.

Na oração: pedir a graça de sentir a ternura, o carinho, a proteção e a cura das mãos benditas e providentes
                     de nosso Deus;
                     alargar o coração, para que aí a ternura de Deus possa fazer morada.


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