segunda-feira, 12 de março de 2012

Para ajudar a rezar o tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Pe. Adroaldo sj


A TERAPIA DO CUIDADO

“A pessoa vulnerável necessita cuidado regado com afetividade, especialmente ternura,
pois deseja ser tratada com delicadeza e sensibilidade”

O verbo grego “therapeuo” e o substantivo “therapeía” expressam o duplo sentido de “cuidar”  e “curar”. A missão essencial dos terapeutas é cuidar. Normalmente eles são considerados como tratadores da doença e não cuidadores da saúde. No entanto, a missão essencial do terapeuta é cuidar daquilo que é saudável em cada ser humano. O autêntico terapeuta é o que não se deixa enganar pelo aparente caos presente no outro.

Há duas maneiras de olhar para um ser humano. Pode-se vê-lo como um ser caótico que só se dirige para a morte; ou ver que esse ser humano, mesmo traumatizado, fragilizado, ferido, é o espaço de onde emerge a liberdade e a harmonia. Desse ser que sofreu e passou para tanta dificuldade, pode surgir um ser de sabedoria e de serenidade.
O terapeuta deve sempre observar a flor que brota; ele acredita na força de vida presente no outro e que pode ajudá-lo a atravessar as dificuldades e limitações.
Ele tem consciência que todo ser humano tem reservas de riquezas, criatividade, inspiração, intuição..., e que toda pessoa precisa encontrar uma presença capaz de ativar e despertar o seu mundo interior.
“Cuidar” de alguém é cuidar do que é saudável nele, porque é a partir desse estado de saúde que se poderá integrar e curar as feridas e fragilidades do outro.
Assim, a arte de cuidar exige técnica, intuição e sensibilidade, mas o exercício da ternura é fundamen-tal para desenvolver atos de cuidado.

O terapeuta não se ocupa da doença, mas trabalha com a saúde que há no coração da doença. Ele lembra que há seiva na árvore que cresce em direção à luz, mas que também tem raízes.
O bom jardineiro cultiva a árvore e colabora com a seiva que a enraíza nas profundezas da terra e, num mesmo movimento, a faz crescer para a luz. Uma árvore saudável não é apenas aquela que abre seus galhos para a luz; se não tiver raízes, ela não ficará de pé.
Podemos agregar à definição de saúde (presença de um bem-estar psico-somático-social-ambiental-espiritual) uma tendência ao que integra, ao que harmoniza. Uma tendência à transparência e às três grandes virtudes enaltecidas pelos gregos: a verdade, a beleza e a bondade.
Nesse sentido, patologia seria o mal-estar produzido por uma tendência ao que desintegra, ao que disso-cia, ao que desarmoniza, ao que nos distancia desse núcleo do “Ser que nos faz ser”.





A terapia do cuidado é um exercício de proximidade: ela exige disponibilidade, acolhida, preocupação pelo outro, acercamento à sua fragilidade. A proximidade não é estática, mas dinâmica. Consiste num movimento de aproximar-se, acercar-se, romper barreiras...
A superação da distância espacial, afetiva e ética é fundamental para a ação de cuidado.
Não se pode cuidar de alguém à distância. Mas, por outro lado, a proximidade não pode significar dependência afetiva que obscureça a identidade pessoal.
Quem cuida não pode estar tão próximo que tome o lugar do outro e responda por ele.
O cuidado exige também o distanciamento que possibilita o assumir-se e tomar decisões.
A arte do cuidado, mesmo tendo a intenção de ajudar e produzir o bem-estar, não deve ser uma ação paternalista. A aceitação do cuidado deve ser fruto de uma decisão livre. Assim, cuidar de alguém é também cuidar da sua liberdade, ajudando a recobrar a autonomia e independência possíveis.
Reconstruir a autonomia é auxiliar a recuperar o centro pessoal, a responsabilidade e o poder de decisão.
A terapia do cuidar exige tanto responsabilizar-se por quem é cuidado, quanto torná-lo responsável pela sua situação. Responsabilizar-se é caminhar com o outro, partilhando as suas preocupações, ex-pectativas, angústias e medos. Cuidar é ajudar a levar a carga da vida de alguém, aliviando o seu peso. Mas não se trata de ficar no seu lugar, assumindo o problema.

 “Cuidar” é uma atitude “kenótica”, porque exige o esvaziamento de nós mesmos para deixar o mistério da miséria e sofrimento do outro encontrar abrigo no nosso coração. Cuidar é dar atenção com ternura, isto é, descentrar-nos de nós mesmos e sair em direção ao outro, participando da sua existência.
Quem já foi tocado por um olhar de uma pessoa pobre ou sofredora e deixou que este olhar penetrasse no fundo do seu coração sabe que não sai “ileso” desta experiência; algo mudou dentro de si.

É uma experiência que o modifica profundamente, tanto que muitos interpretam esta experiência como uma “experiência de Deus”, uma experiência de ter conhecido no rosto do pobre, o rosto de Cristo.

A arte do cuidado confere a cada um a capacidade de exercer a paternidade-maternidade espiritual; cuidar é sentir o outro, é verdadeiramente escutar, é ir além das palavras, é ter um olhar desarmado, eliminando todo preconceito.
O cuidado desperta o encantamento, a admiração e o assombro, o único remédio contra o tédio e a pomada contra a apatia, duas feridas profundas do nosso tempo.
O cuidado é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade. Cuidar é envolver-se com o outro, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger. Quer conhecer o outro com o coração e não com a cabeça.
O cuidado exige generosa gratuidade, como a rosa que exala o seu perfume e não pergunta se quem a recebe merece ou não; como a árvore de sândalo que após ser tombada pelo lenhador, deixa seu perfume na lâmina do machado.
Por isso precisamos do espírito de gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, para acolhê-lo na sua diferença.
O amor é a expressão mais alta do cuidado, porque tudo o que amamos também cuidamos. E tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.

Por isso, cuidar é uma ação esperançosa que abre perspectivas de futuro para quem está sem horizonte.
Desperta a atitude de esperança, porque faz olhar para frente e a pensar em novas possibilidades.
Mas, por outro lado, precisa ajudar também a olhar para o passado, interpretar as experiências dolorosas, voltar às suas fontes, aceitá-las, tomar posse delas...
O cuidado deve ter um olhar esperançoso para frente e um olhar interpretador para trás.
Se a vida pôde surgir num contexto de cuidado, é pelo cuidado permanente, ao largo de todo o tempo em que existir sobre a face da terra, que a vida se mantém e se plenifica.

Texto bíblico:  Lc. 12,22-32   Col. 3,12-17

Na oração: - trazer à memória experiências de ser cuidado pelos outros (pais, educadores, amigos...)
                       - recordar experiências pessoais de atenção cuidadosa na relação com os outros.

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