quarta-feira, 11 de abril de 2012

Evangelho do 2º Domingo de Páscoa -Padre Adroaldo.


A RESSURREIÇÃO “DÁ O QUE FALAR– Jo. 20,19-31

A no Ressuscitado não nasce da constatação de poder ver o sepulcro vazio. Os exegetas estão de a-cordo que nem as aparições nem o sepulcro vazio foram a origem da primitiva fé. A fé interpreta o se-pulcro vazio: no sepulcro não há nada, é vão ir ao sepulcro. As mulheres vão ao sepulcro buscando um ca-daver, mas Jesus não é um cadáver: “Por quê buscais entre os mortos aquele que está vivo?”, “não está aqui”.
Ao refletir sobre os relatos das Aparições padecemos de um míope e estéril realismo: quê viram? quê aconteceu? como Ele aparceu?... Interessa-nos muito mais a curiosidade do investigador. Lemos os Evangelhos mais como jornalistas do que como pessoas de fé. Nosso desejo era ter estado ali e ver tudo com nossos próprios olhos.
Mas, se tivéssemos estado ali, teríamos acreditado no Crucificado? Esta é a pergunta decisiva. Esta é a finalidade do relato de João, especialmente do conjunto Paixão/Ressurreição: “que creiais no Crucifi-cado”. Aquele que não sente sua fé interpelada, posta em perigo, pelo crucificado e pelos crucificados do mundo, não tem uma fé bem enraizada.

Os relatos das Aparições nos advertem de que não se trata de uma crônica de acontecimentos. O que João quer nos comunicar são vivências internas dos discípulos reunidos; o que ele quer nos transmitir está mais além daquilo que entra pelos sentidos ou podemos imaginar.
Destacamos algumas das expressões do relato de João para formular a no Crucificado/Ressuscitado.
Este relato se revela como uma catequese muito rica em conteúdo. Por uma parte, vincula a ressurreição com a paz, o dom do Espírito, o perdão, a fé, a missão...  Por outra, parece querer responder aos cristãos da “segunda geração”, que já não haviam conhecido o Jesus histórico, nem haviam participado daquela primeira experiência “fundante”. É a eles, representados na figura de Tomé,  que lhes é dito:
                             “Bem-aventurados aqueles que creram sem terem visto”.

* “O primeiro dia da semana”: começa uma nova Criação e com ela, uma nova Aliança. Em Jesus se com-
                                                           pleta a criação do ser humano, levando a humanidade à sua plenitude.
O local fechado, como conseqüência do medo, delimita o espaço da comunidade em meio a um mundo hostil. A mensagem de Maria Madalena fazendo-os saber que Jesus vivia, não os havia libertado do medo.
Jesus sai ao encontro dos discípulos inesperadamente; sua presença se efetua diretamente. Ele é quem toma sempre a iniciativa e aparece no centro da comunidade, porque, agora, Ele é para eles a única referência e fator de unidade. A presença que experimentam não é uma invenção nem surge de um desejo ou expectativa dos dis-cípulos. A nenhum deles teria passado pela cabeça que Jesus pudesse aparecer, uma vez que tinham testemunha-do seu fracasso e sua morte.
A experiência se impõe a partir de fora, a partir de uma instância superior.
Jesus se faz presente na vida real. A nova maneira de Jesus estar presente não tem nada a ver com o templo ou com os ritos religiosos; nem sequer os discípulos estão orando quando Jesus se faz presente.
O movimento cristão não começou seu caminho como uma nova religião, mas como uma forma de vida.
Todos os relatos das Aparições revelam aos primeiros cristãos que é nos afazeres cotidianos que o Cristo se faz presente. Se não O encontramos nas situações da vida real, não O encontraremos em nenhuma parte. A ressurreição é um acontecimento já presente; somos já ressuscitados, ou seja, a Vida ilimitada que se manifesta no ritmo normal da vida.

* “A paz esteja convosco”: Jesus os saúda; o calor da saudação elimina o medo e as incertezas; é o gesto que
                                                  conecta o que está acontecendo com o Jesus que viveu e comeu com eles.
A presença de Jesus se impõe como figura próxima e amistosa, que manifesta seu interesse por eles e que busca conduzi-los à sua plenitude de vida.
A primeira saudação pretendia afastar-lhes o medo; a segunda saudação procura dar-lhes forças para a missão. Trata-se de uma paz para o presente e para o futuro.

* “Mostrou-lhes as mãos e o lado”: Jesus é reconhecível, é o mesmo, é o crucificado, é seu corpo chagado.
                                                                   Trata-se de crer no crucificado. Mais uma vez, os sinais são insepará-veis da morte e da entrega a uma causa: o Reino. Não é a passagem a uma condição superior à do ser humano, mas a mesma condição humana levada a seu cume, assumindo sua história anterior.
As chagas, sinal de seu amor extremo, evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Já não há lugar para o medo da morte. Ninguém poderá tirar de Jesus a verdadeira Vida, nem tirá-la dos seus discípulos.
A permanência dos sinais de sua morte indica a permanência de amor; elas são as cicatrizes de um compromisso com a vida. Além disso, elas garantem a identificação do Ressuscitado com o Jesus Cruci-ficado.



* “Soprou sobre eles”: É o mesmo gesto do Criador ao fazer do homem de barro um “ser vivente”. Tudo is-
                                          so é obra do Espírito. Deus atuou em Jesus, atua em nós e atua no mundo. A obra da Criação continua. No sétimo dia, Deus não descansa, o Salvador não descansa até que todos sejam filhos e filhas. Jesus é nova Criação; nós também.  Somos criadores com Deus, à sua imagem e semelhança.

* “Meu Senhor e meu Deus”: A resposta de Tomé é tão extrema quanto sua incredulidade. Ao chamar-lhe
                                                      “Senhor”, reconhece o amor de Jesus e o aceita dando-lhe sua adesão.
Ao dizer “meu” expressa sua proximidade, como Madalena. Não precisou tocar as chagas, mas precisou tomar consciência de que o Ressuscitado é infinitamente mais que aquilo que nossos sentidos podem captar.
E ao reconhecê-Lo, modifica-se também a percepção de nossa própria identidade e nos mergulhamos no as-sombro, na admiração e no louvor.
Tomé tem agora a mesma experiência dos outros: “ver a Jesus em pessoa”, que não é uma mera afirmação de visão sensorial; significa a experiência de Jesus que o transformou.
Essa incrível transformação se faz visível no grupo dos seguidores de Jesus, que passam de um grupo medroso em dispersão a uma comunidade corajosa que dá testemunho de sua fé em Jesus.
A reprovação de Jesus se refere à negativa de crer no testemunho da comunidade. Tomé queria ter um contato com Jesus como o que tinha antes de sua morte. Mas a adesão não se dá ao Jesus do passado, mas ao Jesus presente, que é ao mesmo tempo o mesmo e diferente.
O dinamismo da comunidade torna possível a experiência de Jesus vivo, ressuscitado.

* “Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”: O Ressuscitado convida a “crer” porque, quan-
                                                                                                       do se crê, se “vê”. A fé possibilita um olhar contemplativo: vê o que todo mundo vê, mas de maneira diferente. Vê sinais do Ressuscitado em tudo o que existe e compreende que tudo tem um sentido, imperceptível à luz dos sentidos externos. 



“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas olhando para a direita e para a esquerda, e de vez em quando olhando para trás...  E o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto, e eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo...” (Fernando Pessoa)

Nossa cultura contemporânea nos modela para a especialização e o especialista fechado é aquele que perdeu o olhar aberto, simples e natural, o olhar assombrado diante de cada aspecto da realidade.
É alguém com a nuca rígida, o pescoço duro que perdeu os movimentos e a flexibilidade de olhar para os lados, para cima, para baixo e para trás.
É alguém com uma viseira que restringe a amplitude do olhar. Neste olhar estreito e minimizado, o inu-sitado nos escapa. Perdemos o deslumbramento, o espanto essencial. Padecemos no túmulo do conhe-cido e rotineiro; já não renascemos para a “eterna novidade do mundo”.
No caminho viciado e repetitivo, a acomodação assassina o movimento do olhar ousado; a criança divina que nos habita perde seu “pasmo essencial”.

Ter um olhar contemplativo significa “olhar” para a realidade através de todos os seus lados, ângulos e recantos. Os olhos estão ligados ao coração olhos abertos, olhos claros e luminosos, olhos compassi-vos e acolhedores. Um olhar profundamente sensibilizado possibilita o encontro de pessoa a pessoa, de coração a coração. Só o coração que abre o depósito de seus sentimentos disporá de um belo trampolim para contemplar o “mistério” escondido na realidade. “Quando o coração está cheio, os olhos transbor-dam”.

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