domingo, 8 de abril de 2012

Uma Santa Páscoa - Padre Adroaldo.

RESSURREIÇÃO: a plenitude do cotidiano



Jo. 20,1-10: o túmulo vazio



* O que é viram e observaram os discípulos que visitaram o sepulcro por primeiro, para nos transmitir?

* Qual foi o primeiro detalhe que chamou a atenção dos discípulos?

* O que exatamente viram João e Pedro, alguns instantes antes de perceberem que o túmulo estava vazio?



João, o único a narrar o particular que nos interessa, frisa que foi o primeiro a chegar ao sepulcro, o primeiro a inclinar-se e ver “os panos de linho estendidos por terra... e o sudário dobrado, em um lugar à parte”. Porque motivo faz notar algo de uma importância aparentemente tão secundária?

- Quem é este Homem que por ocasião do maior acontecimento da sua vida, a ressurreição, encontra tem-

   po para recolher e dobrar o sudário?

- Por que, no dia em que lhe cabe a extraordinária ventura de retornar à vida, Ele se mantém atento aos

   detalhes que o circundam?

- Que importância pode ter um pedaço de tecido para quem se liberta dos braços da morte?



No entanto, o gesto de atenção ao sudário nos revela a personalidade de Jesus, nos faz entrever Jesus no mais íntimo do seu mundo humano. A atenção às coisas mínimas, pequeníssimas, ao que aparentemente se revela sem importância... é um traço essencial da personalidade de Jesus.

O detalhe de recolher o sudário, enrolá-lo e colocá-lo à parte não alude apenas à calma de quem efetuou tal gesto. Jesus revela-se como o homem que resgata e plenifica o aspecto ordinário da vida, o que é habitual e cotidiano. Qual pode ser o segredo da sua condição humana?

Jesus não permite que a vida de cada dia seja destruída. Sabemos que tudo aquilo que se repete todos os dias, tende a dissipar-se e a passar desapercebido.

O acontecimento singular e grandioso da Ressurreição não o afasta da dimensão real e simples da vida humana. A vida humana é simples em plenitude. É constituída de fatos e circunstâncias insignificantes, banais, óbvias, o mais das vezes desprovidas de importância.

Jesus não se deixa prender pelo “extraordinário”, porque sua vida encontra sentido no “ordinário”.



Jesus vence e resgata o sentido da vida, se revela humano precisamente naquilo que se apresenta sem atrativo, sem importância. O “extraordinário” não transforma a sua consciência, mas, ao contrário, é a sua consciência do que é a vida humana que transforma o ordinário em extraordinário.

Sua visão dos fatos permite-lhe entrelaçar o surpreendente com a realidade de sempre, feita aparentemente de coisas simples.

Jesus não se deixou dominar pela Ressurreição. Mesmo depois de ressuscitado, concedeu a si próprio o direito de penetrar na humilde vida de cada dia.

Quando se tem olhos somente para o que é grande, o horizonte de compreensão da vida se restringe.

Ignorando a importância das coisas mínimas, acaba-se por perder o sentido das grandes.

Os especialistas em coisas extraordinárias perdem os numerosos milagres da vida cotidiana. As coisas qualificadas como pequenas podem, efetivamente, revestir-se de uma importância decisiva na vida.



Com o gesto de “dobrar o sudário” Jesus revela-se como o homem da vida de cada dia, que não quer anular a realidade mais simples. O divino continua a atuar naquilo que pareceria desprovido de valor.

Jesus restitui à condição humilde da vida o seu caráter de realidade preciosa e esplêndida.

Através desse gesto elementar, Jesus honra e diviniza as realidades pequenas, as que podem passar desper-cebidas. Aos seus olhos nenhum aspecto da realidade é desqualificado. Ele está ciente de que a transcen-dência está misturada com a realidade. Vislumbra-se o invisível através do visível.

Tudo quanto parece incompleto, inacabado, imperfeito, pequeno... encontra acolhimento em Jesus. As coisas não são destituídas do próprio valor nem mesmo depois de usadas.

Se assim trata as “coisas” desprezíveis e irrisórias da vida, que tratamento Ele reservará à “existência” humana, em si mesma frágil, vulnerável, pobre, imperfeita...?

Quê lugar ou que espaço consagra à realidade desprezada e desarmada do ser humano?

Jesus não se afasta da existência limitada do ser humano. Ele faz tudo quanto é necessário para manter-se ligado a ela. Seu interesse pelo sudário é o espelho do seu interesse pela pessoa.



O ritmo da sociedade atual e, sobretudo, o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, ao consumismo, pede de nós recuperar a dimensão de profundidade em nossa vida cotidiana.

A expressão “viver a vida” não é exaltar uma vitalidade superficial, mas viver a vida em profundidade.

O chamado universal à santidade nos faz confiar profundamente na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida familiar, no exercício da profissão, nas relações da vida social, nas decisões éticas, na ação cida-dã, no campo dos direitos humanos, no campo da economia, na presença ativa da política, no mundo da cultura, no diálogo com os meios de comunicação, na navegação pela internet... como “lugares agraci-ados” de encontro com Deus e manifestações explícitas de compromisso cristão.

Tal experiência possibilita recuperar a jornada com uma crescente dimensão de profundidade, na qual a pessoa se sente com mais claridade, com um coração maior e um pouco mais livre.

Custa-nos muito descobrir a “espiritualidade da vida cotidiana”, a vida de cada dia nos parece sem sen-

tido, longe das grandes “moções”  espirituais que as consideramos como graças extraordinárias.

Precisamente a vida cotidiana é o lugar privilegiado para descobrir Deus (“por onde passa meu Se-nhor”), sentir esse “gostinho” que nos fica da Sua presença  durante o dia, ou, dito com frase do Evange-lho: “não sentíamos abrasar nosso coração?”



Nesse sentido, é necessário fazer a passagem de uma espiritualidade de momentos densos mas “pontuais” a uma espiritualidade de seguimento, vivido em todos os momentos e circunstâncias da vida, uma espiritualidade das chamadas “realidades temporais”, ou seja, viver no mundo e para o mundo.

É necessário superar a concepção de oração como espaço a ser preenchido, mas como atitude orante, ou melhor, “ser contemplativo na vida”: orar a partir dos jornais, das notícias, da conversação familiar, das tensões no trabalho, nos bares e mercados, ver o mundo...

Enfim, viver intensamente a espiritualidade de cada dia. Viver como “ressuscitados”.



Na oração:  Meus lugares cotidianos são “lugares sagrados” de encontro com o Senhor da Vida?

Encontrar a Deus no cotidiano significa que é preciso viver em um contexto vital no qual a pessoa se sinta estimulada a tomar decisões, a assumir responsabilidades, grandes e pequenas, a cuidar pessoalmente dos processos concretos da vida de cada dia.

Isto confere uma qualidade de vida: a experiência de Deus inspira um estilo de viver, uma capacidade de integração interior, uma simplicidade de vida, uma proximidade maior junto aos pobres, um sentido profundo de missão, uma força da gratuidade (contrária ao ativismo, possibi-litando espaços mais humanos de encontros, sem viver a obsessão pelo êxito e triunfo...), um sentido agudo de humor (sinal de uma sabedoria, bom lubrificante em nossas relações, pois facilita os encontros, relativiza as tensões...), um lugar para a festa (manifestação da alegria gratuita e contagiante)...

Suas atividades diárias formam parte do seu caminho para Deus? Você tem consciência que cada dia é um “tempo de graça”? Você “apalpa” a presença do Ressuscitado nas “rotinas diárias”?


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