BOM PASTOR:
SER-DE-TERNURA E DE-CUIDADO
Como
Bom Pastor, Jesus transborda ternura sobre nossa humanidade ferida.
Todo 4º. domingo de
Páscoa é o do Bom Pastor. Embora o Evangelho de hoje não fale de
“aparições” do Ressuscitado, não nos afastamos do tema pascal, pois Jesus
afirma expressamente: “Eu
dou a minha vida pelas ovelhas”. A “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
Jesus de Nazaré “passou fazendo o bem”, não de qualquer modo.
Aquele homem que movia multidões por toda a Galiléia, por sua pregação e milagres,
não era um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso, deixa de ser
inquietante e perigoso. Como Bom Pastor, aproxima-se e cuida, de forma
prefe-rencial, dos mais fracos, pequenos, necessitados..., deixando-se “tocar” e “tocando” as situações humanas mais desgarradas, mais quebradas, mais dolorosas, mais
sofredoras e marginalizadas....; os pobres, os igno-rantes, os pecadores, os
excluídos, descobrem n’Ele uma bondade e uma ternura inesperadas. Sua presença
constitui um encontro extraordinário, tornando visível a ternura
misericordiosa de Deus Pai. É o tempo da ternura de Deus pela humanidade; em
Jesus “apareceu
a bondade e a ternura de nosso Deus” (Tit. 2,11).
Recuperar o sentido da ternura
exige de nós contemplar a vivência da ternura de Jesus de Nazaré, e não só como
um mero modelo ético de atuação, senão em sua profunda intimidade e filiação referida
a um Pai materno cujas entranhas se estremecem e sente ternura por seus
filhos e filhas.
Só contemplando a
Jesus, poderemos descobrir que nosso Deus é um Deus de ternura.
Recuperar a imagem
esquecida do “Deus de ternura”, supõe enraizar-se no coração do Bom
Pastor, imagem que nos revela a capacidade do ser humano de abraçar
empaticamente a situação de fragilidade e dor do outro com uma compaixão feita
vida em gestos revitalizadores e humanizadores, cheios de ternura.
Só quem experimentou a ternura
de Deus, revelado em Jesus, se sabe possuidor de uma “segunda pele” que
certamente o faz mais vulnerável, mas ao mesmo tempo mais humano, ou ao menos, mais
apto para penetrar no secreto de uma humanidade capaz de sentimento e
estremecimento até os limites não imagi-nados. Nele pulsa o coração de Deus que
se sintoniza com a pulsação do coração do mundo.
Com razão afirmava Abrahán
Heschel, que “o
grau de sensibilidade diante do sofrimento humano indica o grau de humanidade
que temos atingido”. E é a ternura
aquela que desperta em nós essa sensibilidade e
mede, por isso, o grau de humanidade alcançado.
A
ternura é o afeto que devotamos às
pessoas e o cuidado que aplicamos às
situações existenciais marca-das pela fragilidade . É uma proximidade que se
revela como intuição, vê fundo e estabelece comunhão.
A
ternura brota quando a pessoa se
descentra de si mesma, sai na direção do outro, sente o outro como outro,
participa da sua existência, deixa-se tocar pela sua história de vida.
Esse
sentimento é um modo de ser existencial que afeta todas as dimensões da pessoa.
A
expressão por excelência da ternura é o carinho,
onde se acentua a proximidade física e o respeito ao outro. O carinho em certas situações é a melhor
forma de comunicação não-verbal.
Ele
revela cuidado solícito, manifesta sensibilidade através do
contato físico, expressa-se como gesto sensível que quer acolher a pessoa como
tal.
A ternura é fenômeno
íntimo e comunicacional, é forma de viver e de conviver, circula entre as
pessoas e luta por nova sociedade, é valor original que se irradia pela vasta
verdade. A ternura acolhe os abando-nados, mas não se cansa de amar.
Forte é a ternura que
permanece resistente.
A ternura revela
lucidez, firmeza e tenacidade. Não se deve confundir ternura com emocionalismo.
A ternura possui
fibra e sustenta causas justas. A ternura mantém fidelidade às pessoas e
assume posições sérias. A verdadeira ternura é destemida, não se amedronta e
sustenta a verdade, é corajosa, não compac-tua com a violência, a crueldade, a
exclusão. A ternura pode e deve conviver com o
extremo empenho por uma causa: “hay que endurecer pero sin
perder la ternura jamás”
(Che Guevara).
A ternura emerge do próprio ato de existir no mundo com os outros
A ternura mantém a
reciprocidade com o diálogo, a afetividade, a compreensão, a amizade, o
respeito, o direito, a solidariedade; ela é aberta, não se fecha, ajuda o mundo
a ser humano, e não selvagem, alegre, e não triste, pacífico, e não belicoso,
justo, e não ensangüentado, limpo e não sujo. Assim, a ternura ética
preserva a humanidade, ventilada pelo sopro da dignidade. A ternura leva
a pessoa a sentir-se gente.
A
ternura vital é sinônimo de cuidado essencial. O exercício da ternura é fundamental para
desenvol-ver atos de cuidado.
O
cuidado faz o ser humano aberto,
sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e com todos no universo. Sem
o cuidado o humano se faria inumano.
O
cuidado vive do amor primal, da
ternura, da carícia, da compaixão, da convivialidade, da medida justa em todas
as coisas. Sem o cuidado, o ser humano definha e morre.
O
cuidado abre-nos caminho para viver,
com mais intensidade, nossa humanidade. E viver “humana-mente” significa
viver em vulnerabilidade.
A arte do cuidado
confere a cada um a capacidade de exercer a paternidade-maternidade
espiritual; cuidar é sentir o outro, é verdadeiramente escutar, é
ter um olhar desarmado, eliminando todo precon-ceito. Cuidar é dar
atenção com ternura, isto é, descentrar-se de si mesmo e sair em
direção do outro, participando de sua existência; é esvaziamento de si mesmo
para deixar o mistério da fragilidade do ou-tro, que também traz
em si, encontrar abrigo no coração.
Cuidar é entrar em sintonia
com... Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de
sacralidade...
Quem não aceita a própria vulnerabilidade e inter-dependência não desenvolve atitudes de cuidado. Quem não
aceita ser cuidado, também não está disposto a cuidar dos outros. Somos
educados para ser-mos “super-homens” ou “super-mulheres”;
aprendemos a não admitir e a não aceitar o limite, a vulne-rabilidade, o
fracasso... O ser humano é finito,
portanto vulnerável. Ele não se
basta a si mesmo; necessita de relações com o seu meio, com os seus semelhantes
e com o Transcendente, dando sen-tido à
sua existência.
Texto
bíblico: Jo. 10,11-18
Na
oração: quem já foi afetado por um
olhar
de uma pessoa pobre ou sofredora, e deixou que este olhar penetrasse no
fundo do seu coração, sabe que não sai “ileso” desta experiência; algo mudou
dentro de si: a ternura é despertada e o cuidado é mobilizado.
O modo-de-ser-ternura e
cuidado do Bom Pastor se prolonga em nós, seus seguidores.
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