“SOMOS SERES TRANSFIGURADOS..., E NÃO SABÍAMOS”
“Só Deus é humano” (padres da Igreja)
O relato da Transfiguração não é crônica de um fato histórico; é, muito mais, a experiência de fé dos discípulos que, com toda certeza, perceberam em Jesus uma “transparência” ou “profundidade” que os impactou profundamente.
Podemos expressar numa frase o significado do relato: “Jesus é transparência do divino”. Por isso, podemos dizer também que Ele é um homem transfigurado. Jesus viveu constantemente transfigurado. A transfiguração não foi um fato isolado na vida do Mestre de Nazaré, mas o ‘estado habitual de seu ser’.
Quê fazia de Jesus um “homem transfigurado?” Era sua bondade, sua compaixão, sua autenticidade, sua integridade e coerência, sua liberdade, seu projeto de vida, sua relação com o Pai...
Ou seja, o que há de divino em Jesus está em sua humanidade. Só no humano transparece Deus.
Jesus nos dá a medida do humano: ser pessoa compassiva e comprometida com os demais. É precisa-mente na condição humana de Jesus onde podemos conhecer quem é Deus e como é Deus.
Mais ainda, é na entranhável humanidade de Jesus onde compreendemos a profunda e desconcertante humanidade de Deus.
Sua humanidade e sua divindade se expressavam cada vez que Ele se aproximava das pessoas, especi-almente as mais excluídas e sofredoras, ajudando-as a reconstruir a própria humanidade ferida.
Sua humanidade levada à plenitude é Palavra definitiva. Por isso, é preciso “escutá-Lo”.
Escutar o “Filho amado” é transformar-se n’Ele e levar uma vida comprometida, semelhante à d’Ele, ou seja, empapar-se do “modo” como Ele humanamente viveu.
A Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós. Ela nos revela também nossa identidade e nos faz caminhar em direção à nossa própria humanidade.
Por isso, uma pessoa transfigurada é uma pessoa profundamente humana. Tudo o que é autenticamente humano é transparência de Deus. Em outras palavras, a vivência do humano nos diviniza.
Somos todos “pessoas transfiguradas”..., mas desconhecemos essa realidade surpreendente.
Na Transfiguração, Jesus nos faz descobrir nosso verdadeiro ser, que vemos refletido n’Ele.
N’Ele, encontramos “indicações” que nos conduzirão a essa descoberta: a vivência do amor, da compai-xão, da confiança, do silêncio, da coragem, da experiência de Deus...
A transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu próprio amor, querer e interesse” (EE. 189). Transfigurar é descentrar-se e expandir-se na direção do outro.
Tal experiência também nos confere um “olhar contemplativo” que nos faz descobrir que toda realidade já está “transfigurada”. Seguramente reacenderá em nós a capacidade de admiração, de assombro e de contemplação, para ver as pessoas e “todas as coisas criadas” para além do meramente superficial.
O olhar habitual de nosso contexto pós-moderno não é precisamente esse, mas outro, caracterizado pelo imediatismo, pragmatismo, interesse e voracidade. Em tal contexto há tanta superficialidade e tanto narcisismo que a vivência da profundidade, do silêncio, da admiração... se tornam estranhos para nós.
Nesse sentido, “subir” ao Tabor implica “descer” em direção à nossa própria humanidade. A Montanha nos “transfigura” , revelando nosso ser essencial.
Todos estamos dispostos a “subir”, mas nos custa muito “descer”. Não haverá plenitude de humanidade enquanto os de cima não decidam descer, e os de baixo não renunciem subir passando por cima dos outros.
Não se trata de ter a antena dirigida ao céu para esperar que dali venham algu-mas palavras. Trata-se de descobrir a voz de Deus no grito desesperado de cada um dos seres humanos que encontramos em nosso caminhar.
Jesus continua se “transfigurando” na montanha interior de cada um.
“Humanizemo-nos!” Esta é a voz d’Aquele que viveu permanentemente
“transfigurado” e, portanto, “humanizado”.
A espiritualidade inaciana nos possibilita fazer a síntese entre o novo e o antigo, entre a interioridade e a exterioridade, entre ação e contemplação, entre sagrado e profano, entre céu e terra, entre fé e política..., enfim, síntese entre a Transfiguração do Tabor e o cotidiano da vida comprometida com os desafios do vale. Sínteses profundas que nos educam para a “liberdade dos filhos de Deus” (Rom. 8,21).
A transfiguração de Jesus é como uma parábola que nos recorda: a vocação cristã é transfigurar o tempo e o espaço. É preciso transfigurar nossas relações humanas: passar de relacionamentos interessei-ros a relações afetuosas e amáveis. É urgente transfigurar a política, transformando o poder e a coorde-nação da coisa pública em serviço ao bem-comum. É preciso transfigurar a natureza na comunhão do ser humano com o universo. (Rom. 8,22-23).
A Transfiguração do ser humano acontece no coração de cada um que crê. É Deus que nos transfigura,
“mudando nosso coração de pedra em coração de carne” (Ez. 36,26).
Texto bíblico: Mt. 17, 1-9
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