terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Evangelho do 4o. domingo do TC.Um abraço a todos. Pe. Adroaldo sj

A “AUTORIDADE” HUMANIZADORA DE JESUS 



“...ensinava-lhes com autoridade e não como os escribas” (Mc. 1,22)



Marcos nos apresenta Jesus como o grande Mestre: seu ensinamento é novo, pois, ao mesmo tempo que ensina, liberta. É o início da missão de Jesus; e Ele começa justamente lá onde os “espíritos maus” produ-zem estragos no ser humano.

Diferentemente dos mestres da Lei e dos escribas, cujo ensinamento está centrado em “decorar” e conser-var a Lei, o ensinamento de Jesus parte da realidade humana de sofrimento, exclusão, preconceito...

Aqui estamos numa sinagoga em dia de sábado: lugar e dia de comunhão, de encontro, de festa... No entanto, na mesma sinagoga Jesus encontra alguém preso por “espíritos maus”, impedido de viver sua condição humana de maneira mais digna.

A missão de Jesus é a de aliviar o sofrimento humano; Ele reconstrói o ser humano ferido, fragilizado, privado de sua dignidade, sem poder dar direção à sua própria vida. Os “maus espíritos” podem ser sim-bolo de tudo o que desumaniza as pessoas. Podem ser os traumas, experiências de rejeição e exclusão, as feridas existenciais, falta de perspectiva frente ao futuro, o peso do legalismo e moralismo, a força de u-ma religião que oprime e reforça os sentimentos de culpa, as instituições que atrofiam o desejo de viver...

Enfim, tudo aquilo que prejudica as pessoas, provoca miséria, tira a dignidade do homem e da mulher.







Marcos reforça que Jesus fala e atua com “autoridade”, que é diferente de “poder”.

Jesus não exerceu poder porque o poder nunca é mediação para a libertação do ser humano (seja poder político, religioso, ou qualquer outra expressão de poder).

Jesus despoja-se do poder; Ele tem autoridade: “ensinava-lhes com autoridade e não como os escribas”

Jesus revela sua autoridade e esta é o caminho para o serviço e a promoção da vida.

Por isso a autoridade de Jesus não tem nada a ver com o poder que se impõe ou a liderança que arrasta.

A palavra “autoridade” vem do verbo latino “augere”, que significa literalmente: aumentar, acrescentar, fazer crescer, dar vigor, robustecer, sustentar, elevar, levantar o outro, colocá-lo de pé, impulsioná-lo para frente... É a qualidade, a virtude e a força que serve para apoiar, para alentar, para ajudar as pessoas a serem elas mesmas, para fazê-las crescer, desenvolvendo suas próprias potencialidades.

“Autoridade” significa recuperar a autoria, devolver a autonomia àquele que está impedido de op-tar e de fazer seu caminho. Nesse sentido, a autoridade nunca é perigosa para a pessoa, jamais é impo-sição ou atentado contra sua legítima autonomia ou liberdade. A autoridade é essencialmente amor.



Jesus tem “autoridade” porque o “centro” está no outro; Ele veio para servir.

Quem tem “poder”, ao contrário, o centro está em si mesmo; por isso é que toda expressão de poder é violenta, exclui, decide pelo outro...

Por isso, o “ensinamento” de Jesus é humanizador; parte da realidade humana ferida e liberta a pessoa, colocando-a no centro da sinagoga. Para Jesus, não é a Lei que deve ocupar o centro, mas o ser humano.

As pessoas percebem n’Ele um novo Mestre, cujo ensinamento desperta o assombro e a admiração.

Jesus é tão entranhavelmente humano que nos desconcerta, a ponto de parecer estranho, extravagante e, para muitos, escandaloso. Mas, precisamente dessa maneira, Ele nos revela não só sua profunda humani-dade, senão o grau de “desumanização” a que podemos submeter os outros.

Seu ensinamento é novo porque liberta, ao mesmo tempo que ensina. Ao entrar na sinagoga, Jesus se volta para quem estava excluído e não recebia atenção; o homem “possuído” é o símbolo de todas as pessoas despersonalizadas às quais lhes foi negado o direito de falar e agir como sujeitos da própria vida, que dependem de “outros” que pensam, falam e agem por elas.



Há algo que salta à vista quando lemos os Evangelhos com mais atenção.

Jesus apareceu como um “transgressor” das leis e tradições, fanaticamente observadas pelos líderes religiosos. O fato de Jesus não cumprir a Lei religiosa em repetidas ocasiões e de assumir atitudes ousadas nas sinagogas, não significa que Ele fosse um libertino e, menos ainda, um provocador.

A chave para compreender esta conduta de Jesus está em que Ele deixou de observar a Lei unicamente quando estava em jogo a saúde, a integridade da vida, a dignidade e a felicidade das pessoas.

Dito de outra maneira: a liberdade de Jesus perante a Lei não foi uma liberdade caprichosa e, menos ainda, egoísta. Sempre foi uma liberdade a serviço da vida.

As curas de Jesus realizadas em dia de sábado revelam sua clara opção: a felicidade do ser humano, o alívio do sofrimento, tem prioridade absoluta, acima das prescrições religiosas.

A religião e seus preceitos deixam de ter sentido e obrigatoriedade quando ela é utilizada para causar sofrimento ou para dar as costas diante da dor alheia.



Jesus revela sua autoridade ao fazer cada pessoa descobrir, em seu interior, uma força capaz de libertá-la radicalmente. A oferta de vida nova feita por Ele permite comprovar que há no fundo de cada ser humano uma força criadora e criativa, que não há poder algum que possa destruí-la, nem sequer a morte.

Esta é a autoridade de Jesus que, a partir de sua profunda contemplação da vida, das pessoas, se com-promete com os “impuros” e os “excluídos”, para dar-lhes a boa notícia e desmascarar a mentira daqueles que decidem, com prepotência e dogmatismo, manipular a vida deles.

Os escribas e fariseus, guardiões da Lei, não tem autoridade para libertar, pois investiram-se de um poder que só serve para excluir e condenar. Os sacerdotes, por sua vez, seqüestraram a Deus no Templo, o sepa-raram da comunidade humana e fizeram-se donos d’Ele.

No entanto, os milagres e as palavras de Jesus atentavam contra o poder da Lei e do Templo e denun-ciavam a exclusão e a injustiça. Jesus não fala de leis, nem de castigos, mas de Boa Notícia e o faz na terra dos excluídos. Sua atividade não está baseada na lei que exclui, nem no poder que violenta, mas está orientada diretamente aos “fora da lei”.



Neste sentido, a autoridade traz a paz, ilumina e faz crescer, ao passo que o poder gera ansiedade, medo e faz o outro se sentir inferior. A autoridade inspira e motiva as outras pessoas a fazer as coisas com boa vontade e ânimo; o poder as obriga, por causa de sua posição de força.

Por seu caráter impositivo, o poder deteriora relacionamentos, resvalando-se para o terreno pantanoso da competição, da suspeita, da intriga. A autoridade, por sua vez, não tem nenhuma relação direta com a obediência: repousa, isto sim, sobre o reconhecimento da riqueza e da possibilidade do outro. Ela anima, sustenta, desafia e toca aquilo que cada um tem de melhor em seu interior.

A cultura do poder suga o “espírito” da vida de uma comunidade, mi-nando sua criatividade e fragilizando seus laços de convivência. Quem tem poder não age, dá ordens. Jamais suja as próprias mãos; é impune e não deixa impressões digitais.

O poder não constrói comunidade, pois a pessoa se cerca de subservi-entes que cumprem suas ordens, dizem amém às suas idéias ou calam-se coniventes. Sorrateiramente este mal toma conta do coração humano e o petrifica, impedindo a vida de desabrochar e a criatividade de se expres-sar.



Aquele que se sente investido de um poder intocável e indiscutível relacionar-se-á com os outros com o inevitável ar de superioridade; o Deus a quem representa torna-se um Deus intolerável.

É decisivo compreender que o Deus que Jesus nos revelou é o Deus que se funde e se confunde com o ser humano; portanto, falar de Deus é falar, ao mesmo tempo, do Transcendente e da vida que há em cada um de nós. Por isso, respeitar a Deus é respeitar a vida e a dignidade que há em cada pessoa.

A questão não é saber sobre Deus, mas sentir o Deus que se funde com nossa vida e em nossa história.

O Deus em quem cremos, por ser mais amor que poder, é um Deus fonte de vida plena, não ansiosa-mente buscado, mas sim acolhido com gratidão. Não é, portanto, o Deus que se revela ciumento e rival do ser humano, mas amante da alegria e da vida.



Texto bíblico:  Mc. 1,21-28


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