terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Reflexão sobre o 3o. domingo do Tempo Comum- Padre Adroaldo

NAS FRONTEIRAS DA GALILÉIA

Galiléia foi a primeira decisão importante que Jesus tomou no início de sua vida pública.
O Evangelho de Marcos diz que “depois que João Batista foi preso, Jesus veio para a Galiléia procla-mando o Evangelho de Deus” (Mc. 1,14). Uma decisão que foi essencial em sua vida, porque Jesus permaneceu na Galiléia até pouco antes de morrer.
Jesus viu claramente que o melhor lugar em que Ele podia e devia comunicar sua mensagem era preci-samente a Galiléia. Assim sendo, é evidente que o lugar de onde fala condiciona o que essa pessoa diz. Não é a mesma coisa falar de uma cátedra universitária importante que da janela de uma casa perdida em um povoado perdido qualquer. Afinal, a pessoa sente e pensa a partir de onde seus pés estão plantados.
“A coisa começou na Galiléia” (At. 10,37), dirá Pedro em seu discurso, batizando para sempre a Galilé-ia como lugar dos começos. Os galileus não viviam preocupados em conservar a memória de antepas-sados ilustres ou de veneráveis predecessores; nenhum personagem de peso tinha marcado aquela região com sua fama; nenhuma tumba patriarcal a havia convertido em terra sagrada; nenhum profeta ocorreu nascer ali. O pior da Galiléia já havia sido descrito por Isaías quando disse: “caminho do mar, do outro lado do Jordão, Galiléia dos gentios... (8,28). Respiravam ares de liberdade naquela sociedade mes-clada e heterogênea, acostumada ao vai-e-vém das caravanas do Oriente e de muitos gregos e romanos nas ruas das cidades. Havia algo de “marginalidade” em uma Galiléia refratária a continuar escutando os discursos, palavras e temas de sempre. Por isso, quando Jesus começou a falar, “as pessoas estavam admiradas de seu ensinamento, porque ensinava com autoridade, e não como os escribas”.

O fato é que Jesus, para realizar sua missão docente, não se dirigiu à capital, Jerusalém, nem à importante província da Judéia. Logo após sua decisão, Jesus foi viver e desenvolver sua atividade, pregar sua mensa-gem numa região distante, habitada por humildes camponeses e pescadores pobres, pessoas que, naquele tempo, eram consideradas uma população sem influência, que não vivia na abundancia e que, ainda por cima, tinha má fama, má reputação. Os “galileus” do tempo de Jesus não gozavam de especial estima (Jo. 7,52); eram considerados ignorantes e impuros com os quais se devia manter distância.
Se efetivamente Jesus queria “evangelizar”, ou seja, comunicar uma “boa notícia” à sociedade de seu tempo, não buscou conquistar para si os notáveis e as classes influentes da sociedade de seu tempo, nem procurou os postos de privilégios, nem o favor dos mais influentes, e nem, muito menos, os que detinham o poder e o dinheiro.
Mais ainda, quando Jesus tomou a decisão de ir pregar na Galiléia, o que na realidade fez foi dirigir-se a um país governado por um tirano sem escrúpulos (Herodes) e que não estava disposto a admitir “denún-cias proféticas” de ninguém. Portanto, Jesus foi para a Galiléia ciente de que estava “entrando na boca do lobo”. Mas nada disso o desviou de seu projeto de ir em busca dos pobres, nem o fez tomar precauções para falar com “discrição” em semelhante situação.

Por isso, Galiléia é o lugar da luta e compromisso pela vida, o lugar dos excluídos e desprezados, o lugar dos discípulos, o lugar no qual Jesus realizou os gestos libertadores.
Todos sabemos que as “mudanças profundas e duradouras” na sociedade não vem de cima, mas de baixo, a partir da solidariedade e da identificação de vida com os últimos deste mundo. Há uma esperança alenta-dora, que vem das periferias e das margens, que se empenham por imprimir um movimento novo à histó-ria; nele está a semente na qual Jesus viu o germe de uma vida diferente, nova e mais promissora. 
E Jesus foi o ponto de partida de uma profunda mudança na história da humanidade.
Foi na Galiléia que Jesus venceu os poderes que atentavam contra a vida; ali é onde venceu a morte; por isso, após a Ressurreição, Ele irá diante dos discípulos, contagiando-os com seu Espírito.

“ Ir à Galiléia” não é viajar a uma região da Palestina senão retomar a vida do Jesus histórico, retornar ao marco evangélico de Nazaré, Caná, Cafarnaum, Naim, o lago de Genesaré..., onde Jesus de Nazaré, ungido pelo Espírito passou fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo maligno (At. 10,38).
Jesus percorreu vilas e cidades despertando a vida e fazendo renascer a esperança.
“Galiléia”  é também o lugar do chamado ao seu seguimento (evangelho de hoje)
Não sabemos se o chamado ao seguimento foi assim, tão rápido. Mas, provavelmente, a forma um tanto mecânica em que Marcos se expressa é uma maneira de destacar o elemento de irradiação e sedução de Jesus. Ele vai em busca de pessoas,  chama-as pelo nome; sua presença  e  sua voz  arranca-as do seu am-biente, da sua rotina... e lança-as para novos desafios.
Tudo começou às margens do mar da Galiléia... um encontro.
Jesus entra no cotidiano de 4 homens, no meio daqueles movimentos difíceis e repetitivos, próprios de pescadores. Não estamos no templo, nem num dia sagrado, mas junto do mar, depois da fadiga de um dia de trabalho.
Jesus caminha e, ao passar ao longo do mar, entra no espaço vital daqueles homens, que estavam retornando da pesca. Exatamente ali, naquela vida tão normal, acontece algo novo.
Partindo do lugar e das coisas que representam as esperanças, as dificuldades, as decepções, os sucessos, as derrotas daqueles homens pescadores, Jesus lança a sua promessa:
       “Segui-me e eu vos farei pescadores de homens”.
Esta frase deve ser lida não no sentido quantitativo típico dos proselitismos e da mentalidade moderna, mas num sentido mais qualitativo: “pescar homens” é extrair o melhor, a melhor e mais original versão humana de cada um de nós, garimpar a autêntica qualidade humana nesse cascalho de inumanidade que somos todos. Isso é “pescar o humano” que de alguma maneira todos carregamos dentro.
E Jesus tem a capacidade de extrair o maior bem possível do outro, para tirar o melhor de cada um, sem necessidade de dar-lhe lições ou arrastá-lo com argumentos racionais.

Aquela voz abre os olhos, a mente e o coração daqueles pescadores do lago. Sentem-se chamados pelo nome e conseguem compreender melhor a si mesmos, confrontam-se com Aquele que os chama e re-descobrem um sentido novo, um significado inimaginável da própria existência.
Jesus os chama do mar, os faz descer da barca e os convida a segui-Lo, para mergulhá-los no Seu mar, para fazê-los subir noutra barca, para atraí-los a uma vida diferente.
O seguimento só se realiza quando alguém se deixa conduzir para águas profundas num novo mar.
A vida de Jesus se torna norma, uma maneira de proceder, um estilo próprio de ser e de viver... O funda-mental é o “estar com Ele”, conviver com Ele, participar de sua Vida, compartilhar do mesmo sonho: a realização do Reino.
Jesus passou a viver a partir de um sonho: a utopia do Reino.
Toda sua pessoa fica polarizada por esse sonho, por essa utopia esperançada capaz de despertar e mover outras a participarem do mesmo sonho; toda sua pessoa era capaz de despertar nos outros o melhor de si mesmos e de mobilizá-los.





Os quatro homens são atraídos pela voz, mais do que pelas palavras ou pela promessa do Desconhecido que passa, vê, chama, e sabe bem quantas e quais são as barcas e as redes que lhes davam segurança.
Aquele Desconhecido se aproxima, ainda hoje, do nosso mar da Galiléia, que representa os lugares, os afetos, os segredos, os costumes da nossa vida cotidiana... nos faz a proposta para entrar em outro mar.
Seguir o Desconhecido do lago significa aceitar toda a vida como sacramento, como símbolo d’Aquele que passa, vê, conhece, ama, chama pelo nome...

Texto bíblico:  Mc. 1,14,20

Na oração:  Por vezes somos levados a conceber a a-
                    ventura espiritual como uma fuga de nós mesmos,uma subida para outra região da atmosfera mais pura que o nosso dia-a-dia. Não! Desça até o fundo de você mesmo! É dentro do seu próprio coração que Deus o espera. A busca de Deus se assemelha mais a espeleologia do que ao alpinismo: tem mais de grutas que de cumes; mais de descidas que de subidas.
No fundo do seu coração cheio de velhas barcas, redes inúteis, mar estreito... é aí que o Senhor passa... e com sua voz provocante o acorda para uma ousadia maior. Compete a você dar-lhe acolhida.

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