CAMINHO DOS MAGOS: paradigma
do discernimento
“E a estrela ia adiante deles, até parar sobre o
lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)
A festa da Epifania nos revela que diante de Jesus pode-se adotar atitudes
muito diferentes. O relato dos magos
nos fala da reação de três grupos de pessoas: alguns pagãos que buscam, guiados
pela pequena luz de uma estrela; os representantes da religião do Templo, que
permanecem fechados em suas tradições e não são capazes de perceber o “novo”
que surge; o rei Herodes que, marcado pelo medo de perder seu poder, só vê
perigo e ameaça na singeleza de uma criança.
Contemplemos o relato da Epifania e
procuremos perceber, por trás do texto, três possíveis ícones de nossa
interioridade: Herodes, os guardiões da religião e
os Magos.
Todos atuam convencidos de fazer
o melhor e de serem até justos. No entanto, somente os Magos tem
a autêntica liberdade para ver algo mais além de si mesmos e para abrir-se à
Boa Notícia.
Os magos não pertencem ao povo eleito; não
conhecem o Deus vivo de Israel. Mas vivem numa atitude de atenção e leitura do
“mistério” que se revela no cosmos. Seu coração busca a verdade.
Descobrem uma
pequena luz que aponta para um Salvador. Rapidamente se põem a caminho. Não
conhecem o itinerário preciso que hão de seguir, mas em seu interior arde a
esperança de encontrar uma Luz para
o mundo. Neste sentido, eles são o paradigma da atitude de discernimento.
Os outros dois ícones – Herodes e
os guardiões da religião – nos sugerem as resistências que nos conta-minam e
que a busca de poder e prestígio não nos deixam espaço para o encontro com o
outro, nem para escutar o que vem de fora.
A
impressão que se tem é que a afetividade de Herodes está dominada
pelo medo a tudo o que ameace seu pequeno protagonismo, seu minúsculo poder, a
pequena cota de prestígio com a qual sustenta sua frágil auto-estima...; e
essas ameaças devem ser eliminadas o quanto antes.
Por
outra parte, parece que toda a inteligência e a longa formação dos sacerdotes e
dos mestres da lei lhes permite quase tocar a verdade, mas, petrificados em seu
próprio saber, não vêem os sinais que os magos percebem; obscurecidos pelo
cinismo, perderam a capacidade necessária para abrir-se ao mistério e à
novidade que ultrapassa suas sutis racionalizações.
São os guardiões
da religião, mas não buscam a verdade. Representam o Deus do Templo, mas vivem
surdos ao seu chamado.Sua segurança religiosa os cega. Conhecem onde há de
nascer o Messias, mas nenhum deles se desloca até Belém. Dedicam-se a prestar
cultos a Deus e não suspeitam que seu mistério é maior que todas as religiões e
que revela sua face nas periferias da vida. Por isso, nunca reconhecerão Jesus.
Os magos, por sua vez,prosseguem sua busca. Não caem de joelhos diante
de Herodes, não entram no Templo grandioso de Jerusalém, pois o acesso lhes é
proibido. A pequena luz da estrela os atrai para o minúsculo povoado de Belém,
longe do centro do poder. Alí se “esbarram” com algo desconcertante: um menino
sem poder e glórias, uma vida frágil que precisa dos cuidados de uma mãe. Mas
isso é suficiente para despertar neles a adoração.Os Magos
visitam e se vão; retomam a itinerância na fidelidade a uma estrela; isto
significa novamente fazer a experiência da busca, da esperança...
Toda viagem que culmina na manjedoura, é ponto de partida para novos
caminhos.
Os
Magos do Oriente são o símbolo de tantos homens e mulheres que em
qualquer parte do mundo, a partir de outras sendas e tradições espirituais, se
perguntam, buscam e caminham.
Uma
lenda os apresenta como um rei jovem, outro ancião e outro negro, querendo
significar que a humanidade toda é mobilizada a “fazer-se caminho”.
Na experiência da vida cristã
buscamos ser como os magos: desejosos de encontrar a Vontade de Deus,
atentos para reconhecer “estrelas” na noite e ágeis para segui-las, capazes de
pedir ajuda quando nos per-demos e apaixonados por descobrir um caminho que, no
fundo, é o caminho do mesmo Deus.
Nesse
processo, os Magos escutam outras palavras e sinais, aprendem a filtrar
aquilo que “ajuda para o fim” e a não seguir qualquer conselho.Herodes e os
escribas estão presentes e ameaçam reaparecer antes, durante e depois do
encontro dos Magos com o menino.
A
Graça também nos precede e nos acompanha sempre e liber a nossa afetividade e
nossa inteligência para abrir-nos ao novo, a abertura que permite reconhecer o “mistério”
e adorá-lo.
Como
os Magos, também nós nos dirigimos primeiramente aos palácios de nossa
sociedade do bem-estar e aos “Herodes” contemporâneos, até que nos damos conta
de que ali não encontramos o que estamos buscando, que ali se anula e se
anestesia a vida, essa vida de Deus que quer crescer em nós.
O ícone bíblico do relato dos Magos ilustra o risco do fechamento em si e de enredar-se nas
armadilhas da própria afetividade ou da própria inteligência. Isso se manifesta
como rigidez para a mudança, a intensa necessidade de manter a própria imagem,
a resistência em aceitar coisas novas que rompam nosso frágil equilíbrio ou os
sérios limites da vontade...
A experiência da Epifania
supõe uma capacidade de encontro e de escuta de Alguém que chama, uma atenção
especial para distinguir vozes diferentes da própria voz, uma sensibilidade
para escutar os gritos de nosso mundo e para receber a palavra da comunidade
cristã.
O Deus, escondido na fragilidade
humana, não o encontramos naqueles que vivem encastelados em seu poder ou
fechados em sua segurança religiosa. Ele se revela àqueles que, guiados por
pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano na
ternura e na pobreza da vida.
A viagem dos Magos se torna,
assim, o símbolo da vida cristã, entendida como seguimento, como discipulado,
como busca.
A viagem exige desapego, coragem, movimento, esperança. Quem está preso à
terra pelo peso das coisas,pelos apegos, pelos egoísmos, não é capaz de se
tornar peregrino. Não pode peregrinar aquele que não se dispõe
sinceramente a ultrapassar as fronteiras e os esquemas pré-concebidos
que muitas vezes lhe fecham e lhe dão segurança. Isto não o deixa livre para
encontrar a Vontade de Deus.
Quem está convencido de possuir tudo, inclusive o
monopólio da verdade, não tem a gana da busca contínua; é semelhante aos
sacerdotes de Jerusalém, frios exegetas de uma Palavra que não os atrai nem
converte. Quem está bem instalado na cidade não precisa de Belém; ao contrário, Belém lhe
parece um insignificante vilarejo de província.
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na oração: Discernir é rastrear o coração e deixar-se surpreen-
der pelos
“sopros-inspirações-luzes” do Espírito no
ritmo da
vida cotidiana e em meio à realidade que nos cerca.
A
experiência do discernimento implicacolocar-se a caminho, seguindo as “pegadas”
dos Magos, fazendo opções e usando desvios, lançando-se pessoalmente a ações
concretas...
- O quê
você está buscando na vida? Onde busca?...
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