Tempo do
Espírito, espírito do tempo
“Aquele sobre quem vires o Espírito descer e
permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo”
Neste início do chamado “Tempo
Comum”, após a celebração do batismo de Jesus, a liturgia continua nos pedindo
e nos propondo que “façamos memória”, mais uma vez, daquele evento tão
significativo; desta vez, é-nos oferecida uma passagem tomada do evangelista
João. Neste, não se narra o acontecimento do batismo em si, mas ele vai
diretamente ao núcleo e nos fala do Espírito,
que é o verdadeiramente impor-tante em todos os relatos do batismo de Jesus.
A humanidade de Jesus está inundada do Espírito; é
a humanidade do Filho de Deus possuída pelo Espírito, guiada pelo Espírito.
Jesus é, por excelência, o homem nascido do Espírito e se deixa conduzir pelo
Espírito do Pai, vivendo intensamente o seu tempo presente. “Tempo carregado” da presença do Espírito; por
isso, tempo criativo, inspirador...
Com Jesus chega um “novo tempo”,um tempo decisivo para a história da humanidade.
É Deus quem irrompe de maneira definitiva na
temporalidade. A partir desse momento, a história fica dividida em dois tempos: o anterior e o posterior a Jesus.
Desta maneira, o Senhor do tempo faz de Jesus o centro
e o ponto de referência do tempo dos
homens. Todos os acontecimentos do mundo, tanto passados como futuros,
encontrarão seu lugar e sentido a partir do “tempo central”, que é o tempo de Jesus.
Por isso, aos seus olhos, as realidades da vida
cotidiana se tornam transparências. Jesus as olha com olhos contemplativos;
todas lhe falam do Reino de Deus e do Deus do Reino que está a caminho.
O Espírito é o que habita o tempo, e nos habita. Estamos no tempo
do Espírito que nos faz perceber o “espírito do tempo”; só assim
viveremos o tempo de maneira
criativa e ousada, como Jesus.
Não é raro encontrar-nos numa
situação na qual vivemos o tempo
como um túnel, contínuo, repetitivo... Tempo que absorve, desgasta, esgota... e
nos faz entrar numa frenética corrida por rentabilizar ao máximo os minutos e
as horas. O tempo torna-se cada vez
mais veloz, fugaz, estressante...
Diante desse tempo não há futuro
auspicioso, nem esperança que se sustenta. Nesse “tempo apertado” o Espírito
não consegue entrar e a nossa maneira de viver fica desabitada e estéril.
Para Jesus, o tempo deve ser recebido em graça e se
converte na missão que dá sentido à sua vida neste mundo. Jesus aceita de seu
Pai o “dom do tempo” e o encarna na
história humana de maneiraoriginal e única. Vivendo “no tempo” Jesus descobre
uma presença
que completa seu ser, que plenifica sua existência e o inspira a ser presença
inspiradora junto àqueles que vivem o tempo como fardo pesado.
Com os olhos fixos na “Hora do Pai”, Jesus
mostra com sua mobilidade que, participando no tempohu-mano, não se deixa prender pelas ataduras da preocupação,
da ansiedade, da pressa...; Ele busca viver com alegria e prazer cada momento
como um dom inesperado.
O Filho do Homem vive na espera paciente de seu momento. Sua sabedoria consiste em
saber aguardar que o tempo chegue à
sua colheita, sem cair na tentação de forçar sua maturação.
A tirania da agenda, a pressa descontrolada, o ritmo frenético, a
antecipação dos acontecimentos, a impaci-ência diante do desejado, a falta de
respeito pelo tempo interior das pessoas,... são atitudes que caracteri-zam o
ser humano pós-moderno, mas que estão ausentes na pessoa de Jesus.
O Espírito está no coração do tempo; Ele está ali como força explosiva que dá à nossa vida nova
dimensão e uma densidade de sentido à nossa existência. De agora em diante,
cada um de nossos momentos está cheio de Sua presença, transformando o “kronos”
em “kairós”; de agora em diante nada em nossas vidas é insignificante, nem
rotineiro. A ação mais simples é transfigurada e assume uma dimensão divina.
Nada é banal, nada é comum para alguém que se deixa conduzir pelo Espírito.
É nesse nível do tempo inspirador onde respiram nossos desejos, onde nossa esperança
bebe, onde nossos sonhos criam raízes... É nele que podemos moldar a arte de
viver.
Nossa biografia humana se estende
e se distende no tempo cotidiano. Sob
o impulso do Espírito quere-mos viver este tempo de forma extraordinária:
queremos enchê-lo de sonhos, de aspirações, de criativi-dade. Queremos viver o
tempo intensamente, vivificá-lo, cuidá-lo e artisticamente orientá-lo para
aquilo que desejamos. Queremos viver de uma maneira original como tempo de
sentido único, como tempo irreversível. Este “tempo presente” é oportuno,
precioso e não volta mais. Não há um “segundo tempo”.“A vida não dá duas safras”.
O grande programa da vida é
precisamente aprender a viver, acolhendo a novidade e a surpresa de cada tempo.
Como o sedento busca a fonte, como o peregrino busca a meta, como o náufrago a
orientação do farol, o ser humano vive no rio do tempo; está sempre a caminho;
é sentinela do futuro.
O Espírito é “atmosfera de
Deus”,“herança de Jesus” e “ambiente de realização do ser
humano”; n’Ele a vida adquire profundidade, consistência; n’Ele o tempo é vivido sem sobressaltos e sem
pressas.
Carregamos dentro de nós o melhor
da vida. Somos uma história sagrada. Exercitar o olhar contemplativo buscando
“ler” a vida pessoal e comunitária com o olhar mesmo de Deus.
Deixar o Espírito “pousar sobre nós” é dispor-nos a algo grande. A
missão que Ele nos anima a viver é alucinante, imenso, fora do nosso tempo
rotineiro. É Ele que nos faz mais lúcidos, mais sensíveis, muito mais corajosos
para descobrir a profundidade e a riqueza de tudo o que acontece ao nosso redor
e dentro de nós. Somos feitos disso: desejo, busca, esperança... No mais
profundo de cada um há uma carência que nos faz clamar:“Vinde Espírito Santo!”
Texto
bíblico:Jo 1,29-34
Na oração: Enquanto
seguidores de Jesus, não somos homens e mu-
lheres
escravos da regularidade, dos costumes, dos horá-rios e das normas; somos
pessoas “tocadas pelo Espírito”, inspiradas por Ele. Fazer “experiência do
Espírito” é abrir-se à novidade, criativi-dade, mobilidade...
- Quem
prevalece mais em minha vida: o costume, as normas, as expectativas dos
outros... ou a inspiração do Espírito?
- Diante das
mudanças sociais, eclesiais e pastorais... vejo-me na defensiva? Sou capaz de
olhar com simpatia e empatia a sociedade que me cerca e ver nela os sinais do
Reino?
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