UMA VOZ QUE MOVE...
“Segui-me e eu farei de vós
pescadores de homens”(Mt 4,19)
Entre as tentações do deserto e as
bem-aventuranças, Mateus apresenta um relato que é como uma síntese de toda a atividade futura de Jesus, incluindo
o chamado dos primeiros discípulos. Como excelente “resumo programático”, marca
as linhas diretrizes de todo seu evangelho.
Desde o ponto de vista teológico, é muito
importante para Mateus deixar claro que Jesus começa sua atividade longe da
Judéia, de Jerusalém, do templo, das autoridades religiosas. Quer desligar a
atividade de Jesus de toda possível conexão com a instituição religiosa.
Jesus foi viver e desenvolver sua
atividade, pregar sua mensagem numa região distante, habitada por humildes
camponeses e pescadores pobres, pessoas que, naquele tempo, eram consideradas
uma população sem influência e de má fama. Os “galileus” do tempo de Jesus não
gozavam de especial estima (Jo. 7,52); eram considerados ignorantes e impuros
com os quais se devia manter distância.
Para evangelizar,
ou seja, comunicar uma “boa notícia” à sociedade de seu tempo, Jesus não buscou
conquistar para si os notáveis e as classes influentes da sociedade, nem
procurou os postos de privilégios, nem o favor dos mais influentes, e nem,
muito menos, os que detinham o poder e o dinheiro.
Todos
sabemos que as “mudanças profundas e duradouras” na sociedade não vem de cima,
mas de baixo, a partir da solidariedade e da identificação de vida com os
últimos deste mundo. Há uma esperança alentadora, que vem das periferias e das
margens, que se empenham por imprimir um movimento novo à história; nele está a
semente na qual Jesus viu a possibilidade de uma vida diferente, nova e mais
promissora. E Jesus foi o ponto de partida de uma profunda mudança
na história da humanidade.
Por
isso, Galiléia
foi a primeira decisão importante que Jesus tomou no início de
sua vida pública.
“Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da
Galiléia”.Uma
decisão que foi essencial em sua vida, porque Jesus permaneceu na Galiléia até
pouco antes de morrer.
Galiléia é o lugar do compromisso pela vida,
o lugar dos excluídos e desprezados, o lugar dos discípulos, o lugar no qual
Jesus realizou os gestos libertadores contra tudo aquilo que atenta contra a
vida.
Ele percorreu vilas e cidades
despertando a vida e fazendo renascer a esperança nas pessoas.
“Galiléia” é também o lugar do
chamado ao seu seguimento.
A primeira intervenção de Jesus, o evangelho de
hoje,não tem nada de espetacular. Não realiza um milagre prodigioso;
simplesmente, caminha junto ao mar, chama alguns pescadores que se deixam
impactar por um convite ousado: “Segui-me”. Assim começa o movimento
dos seguidores de Jesus e o germe humilde daquilo que um dia será sua
comunidade. Aqui, pela primeira vez, se manifesta a relação que há de se manter
sempre viva entre Jesus e aqueles que deixam ressoar em seu coração o mesmo
convite.
Fica claro, então,que a fé cristã
não é apenas uma adesão doutrinal ou uma prática piedosa, mas conduta de vida
marcada por nossa vinculação a Jesus. Crer em Jesus é viver seu estilo de vida,
assumir suas opções, deixar-nos conduzir pelo seu Espírito para nos fazer
presentes, de maneira criativa, junto às Galiléias excluídas do mundo de hoje.
Mateus
destaca o elemento de irradiação e sedução de Jesus.Tudo começou às margens do mar da Gali-léia... um encontro.Ele
vai em busca de pessoas, chama-as pelo
nome; sua presença e sua voz
arranca-as do seu ambiente, da sua rotina... e
lança-as para novos desafios. Jesus entra no cotidiano de 4 homens, no meio
daqueles movimentos difíceis e repetitivos, próprios de pescadores. Não estamos
no templo, nem num dia sagrado, mas junto do mar, depois da fadiga de um dia de
trabalho.
Jesus caminha
e, ao passar ao longo do mar, entra no espaço
vital daqueles homens, que estavam retornando da pesca. Exatamente ali,
naquela vida tão normal, acontece algo novo.
Partindo do
lugar e das coisas que representam as esperanças, as dificuldades, as
decepções, os sucessos, as derrotas daqueles homens pescadores, Jesus lança a
sua promessa:
“Segui-me
e farei de vós pescadores de homens”.
Este chamado deve ser lido não no sentido
proselitista, ou seja, convencer pessoas a fazer parte de um determinado grupo
religioso. Trata-se de“pescar” o que
há de mais humano e nobre em cada pessoa, ajudar as pessoas a viverem com
sentido, tirando-as do mar da desumanização;“pescar homens” é
extrair o melhor e mais original versão humana de cada
pessoa, garimpar a autêntica qualidade humana misturada nesse cascalho de
inumanidade que todos carregamos dentro.
E Jesus
tem a capacidade de extrair o maior bem possível de cada um, de ativar as
melhores possibilidades de vida latentes no seu interior, sem necessidade de
dar-lhe lições ou arrastá-lo com argumentos racionais.
Logo que ouviram a Sua voz, aqueles pescadores se dão conta
d’Aquele que estava passando: eles já tinham sido vistos, conhecidos, amados,
escolhidos por Ele.
“Eles
deixaram as redes e o seguiram”: seguir Jesus não é só assumir o estilo
de vida d’Ele; é também uma libertação. Na realidade, o que eles deixam não não
só redes, mas tudo aquilo que aprisiona, enreda e que impede a vida ter uma
dimensão maior.
Aquela voz abre
os olhos, a mente e o coração daqueles pescadores do lago. Sentem-se chamados
pelo nome e conseguem compreender melhor a si mesmos, confrontam-se com Aquele
que os chama e redescobrem um sentido novo, um significado inimaginável para a
própria existência.
Finalmente, não se sentem mais sozinhos.
O olhar e a voz de Jesus atrai aqueles pescadores à verdade da própria vida:
eles descobrem a luz e compreendem
para onde devem ir.Jesus os chama do mar,
os faz descer da barca e os convida
a segui-Lo, para mergulhá-los no Seu mar,
para fazê-los subir noutra barca,
para atraí-los a uma vida diferente.
O seguimento só se realiza quando alguém
se deixa conduzir para águas profundas num novo
mar.
A vida de Jesus se torna norma, uma
maneira de proceder, um estilo próprio de ser e de viver...
O fundamental
é o “estar
com Ele”, conviver com Ele, participar de sua Vida, compartilhar do
mesmo sonho: a realização do Reino.
Jesus está inteiramente polarizado por esse sonho, por essa utopia esperançada capaz de
despertar e mover outras pessoas a participarem do mesmo movimento; toda Sua
pessoa foi capaz de despertar nos outros o melhor de si mesmos e
de mobilizá-los frente a um novo projeto de humanização.
Os quatro homens são atraídos pela voz, mais do que pelas palavras ou pela promessa do Desconhecido
que passa, vê, chama, conhece também o nome de seus pais, e sabe bem quantas e
quais são as barcas e as redes que lhes davam segurança. O
objetivo da promessa não se refere somente a algo que haverá de
acontecer, mas a Alguém que já está
presente. A promessa que os atrai é, justamente, Aquele desconhecido, que, das margens, os chama pelo nome.
Depois de tê-los despojado de suas seguranças e
levado a intuir que a vida não é
questão de certezas, mas de busca e de desejos, Jesus chama
aqueles pescadores para ficarem com Ele e entre eles, fazendo comunidade.
Aquele Desconhecido se aproxima, ainda hoje, do nosso mar da Galiléia, que
representa os lugares, os afetos, os segredos, os costumes da nossa vida cotidiana...
nos faz a proposta para entrar em
outro mar.
Seguir o Desconhecido do lago significa alargar a vida num novo horizonte de sentido; esta proposta é para corajosos e
ousados.
Que impacto isso tem em minha vida?
Texto bíblico: Mt 4,12-23
Na oração:No fundo do
seu coração cheio de velhas barcas, redes inúteis, mar
estreito... é aí que o Senhor passa...
e com sua voz provocante o
acorda para uma ousadia maior. Compete a você dar-lhe acolhida e entrar na
dinâmica do Reino. “Convertei-vos,
porque o Reino dos céus está próximo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário