quarta-feira, 15 de junho de 2011

O SALTO QUE FAZ A DIFERENÇA:  Mc. 10,46-52



Cego Bar-Timeu: “bar”, em aramaico, significa “filho de”. Ele é um homem sem nome, conhecido simplesmente como filho de Timeu. Isso mostra que o cego não é conhecido pelo nome, mas pela proce-dência. Há um problema de identidade. Ele está cego, é dependente, quando conquistar a visão poderá ter nome próprio.

O filho de Timeu posta-se junto à porta que vai de Jericó a Jerusalém. É um ponto estratégico. Todos os peregrinos que vêm da Transjordânia e muitos da Galiléia e de Samaria passam por ali para ir a Jerusalém. Jesus também vai passar por ali. É difícil que alguém escape daquele ponto. Ele está atento.

Em lugar de caminhar, assiste os caminheiros. Aprendeu a aproveitar-se deles, pedindo esmolas.

Nem Jesus escapa: clama, grita em sua busca da visão.

Os que acompanham Jesus não se importam com quem está à margem; pelo contrário, repreendem sua iniciativa. Mas o filho de Timeu não se curva aos que mandam calar.

Já que os que deviam ajudar o atrapalham, ele precisa gritar mais forte para não perder a chance. A hora é agora e não há tempo a perder. O grito é tão forte que supera a barreira da multidão e chega até Jesus. Só ele sabe o incômodo que é estar cego, esmolar, vivendo fora da cidade, à margem do caminho.

Jesus ouve, pára e o chama para junto de si, para o meio do povo que o forçava ficar à margem.



Ao ser chamado, o filho de Timeu joga o manto-capa, dá um salto, vai a Jesus e pede para ver novamente.

A capa que ante o acompanhava e protegia é abandonada. Fica lá, na beira da estrada, marcando o lugar da mudança. A imagem que ela apresentava é coisa do passado. A capa continua lá no mesmo lugar, mas Bartimeu, agora tomado pelo olhar de Jesus, é homem do caminho, discípulo, seguidor de Jesus.

Agora ele vê; as vendas lhe foram removidas. Com o ver dado por Jesus, Bartimeu se faz caminheiro. Engaja-se no dinamismo da vida que enfrenta o sofrimento, as adversidades e a morte. Toma, com Jesus, o rumo de Jerusalém.

Ao chamado de Jesus, reage dando um salto. Salta para um novo ver, salta ainda mais para um novo ser.

Salta da vida sem graça, limitada a pedinte da margem do caminho, para a graça da vida de caminheiro solidário rumo à transformação.



A existência humana pode ser petrificação, sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e fixismo. Mas ela pode ser conduzida também com sabedoria e imaginação. O movimento criador pode superar o maras-mo e a acomodação; nosso interior contém potencial para vencer a inércia e superar o medo do desco-nhecido, do fracasso, da desilusão... Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de con-vertê-los em uma contínua espera, em algo parado que não se materializa.

Há um momento em que, para alcançá-los, temos que saltar, temos que nos separar do solo para poder chegar até eles. Esse instante, ou esse tempo, nos produz vertigem, o medo pode nos paralisar; ou, talvez, os sonhos e os desejos não apresentem tanta força a ponto de pedir de nós para saltar e correr o risco de fracassar. Mas, se não saltamos, nunca os alcançaremos.

O solo são nossas seguranças, o conhecido, o que já temos. O solo é nossa realidade. Renegar o solo que nos sustenta é viver maldizendo nossa realidade, não a aceitando. Aquele que não conhece e não aceita o solo no qual pisa não pode saltar; a desculpa é de que o solo nunca será suficientemente plano, nunca surgirá o momento oportuno ou as coisas nunca estarão suficientemente claras para poder dar o salto.

Outros, no entanto, estão tão apegados ao solo que é impossível para eles dar o salto. A realidade para eles é como o asfalto nos dias calorosos de verão: os calçados ficam colados ao chão. Estão tão presos ao presente, são tão “equilibrados” e “prudentes” que não há nada que os comova o suficiente para tentar saltar. Para estes os desejos e os sonhos tem que ser algo tão estruturado, claro, definido, preciso a tal ponto que seus pés acabam ficando mais colados ainda ao asfalto, impedindo-os, de uma vez, serem ousados no salto criativo.



O salto autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em tempos precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garantir a autonomia e a construção de nossa própria história.

O salto original gera o crescimento da humanidade. É salto que ama as pessoas, que ergue os fracos, que promove a justiça, que preserva a paz, que semeia a esperança, que respeita o diferente, que congrega povos, que dinamiza os talentos pessoais, salto que valoriza compromissos.

O salto lúcido mantém o olhar vigilante, de discernimento: em que direção saltar?

O salto infatigável concretiza as aspirações do futuro.

O salto original deve ser a voz candente da consciência pessoal e social.





Para dar o salto ousado e criativo é preciso fazer como o cego Bartimeu: desvencilhar-nos de nosso manto, fardo inútil e peso que nos imobiliza à beira do caminho. Isso impede nossa agilidade e mobilidade para ir adiante na longa jornada que a vida apresenta. Ao mesmo tempo, sem lamentar o solo que pisamos, viver agradecidos por cada trecho do caminho, por cada salto feito, pelos momentos de risco e frios na barriga;  ao mesmo tempo, ter a tranquila certeza de que  saltar é humanizador e plenificante.

É importante descobrir o real significado do salto que nos arranca do passado paralisante e nos lança na aventura que modela a vida pessoal, social, ética, religiosa, histórica...

O salto inteligente estimula a criatividade e rejeita a mediocridade.

Para isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”, que é fenômeno inovador e fecundo. Isso impli-ca pisar o solo com a confiança de que sabemos que a vida está cheia de novas possibilidades, de metas que ainda não superamos, de encontros que ainda não se realizaram, de chamados aos quais ainda não respondemos, de compromissos ainda não assumidos...

Construir a vida que queremos implica saber saltar, saber partir e deixar para trás nossa situação de comodidade, os lugares cotidianos onde nos movemos como peixe na água, onde nos sentimos seguros. Há um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro.



É importante ter clareza da direção para onde saltamos. Há saltos equivocados: salto amargo, salto pessimista, salto frustrado, salto mortal, salto no escuro, salto na fuga, salto no desespero, salto na tragédia, salto no suicídio. Há saltos perversos: salto dos mais fortes sobre os mais fracos, salto autoritário, salto dos prepotentes...

O verdadeiro salto humano tem sentido de inovação. É o salto da múltipla criação, o salto da gênese permanente e da história inacabada. Salto é o acontecer inesperado, é o surgir repentino, é o germinar da realidade, é o despontar da madrugada. O salto acorda o espírito, solta a liberdade, assume a responsabilidade e aponta o destino inédito.

Salto é também ruptura; de fato, o salto rompe obstáculos e desloca resistências. O salto é surpreenden-te. Há salto que só se realiza com a quebra da rotina. E cada salto inspirado, pessoal ou social, inaugura novo salto para a humanidade.

É hora de um salto arrojado, e não de covardia. É tempo de assumir o salto. É salto para acordar, salto para pensar, salto para viver, salto para criar, salto para clamar, salto para partir e salto para construir.

O salto envolve a totalidade de ser humano, busca a verdade, busca a ciência, busca a ética, busca a estética, busca a utopia, busca o direito; busca o salto da inovação.



Textos bíblicos:  Mc. 10,46-52   Lc. 19,1-10  Ex. 14,15-31

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