sexta-feira, 10 de junho de 2011

Texto do último retiro do Padre Adroaldo.

O SILÊNCIO COMO PORTA DE ENTRADA À INTERIORIDADE

“Certamente, no cristianismo há uma primazia do Logos, da Palavra em relação ao silêncio.
Deus falou, Deus é a Palavra. Mas, além disso, nós não devemos esquecer a verdade do silêncio
duradouro de Deus. Somente quando O tivermos conhecido como Silêncio,
poderemos esperar ouvir também a sua voz, que provém do seu silêncio” (Ratzinger)

Quando o ser humano lascou a 1ª. Pedra, começou a história do ruído, que não parou mais de crescer, até se tornar hoje uma das piores fontes de poluição. De fato, nós fomos “adestrados” para o barulho.
O mundo pós-moderno aparece como o lugar da negação do silêncio, multiplicando os ruídos e os víncu-los da alienação dos corpos e das mentes. Somos alienados de nosso “eu” por incômodas “insignificânci-as” que sacodem o ar. O moderno tumulto das metrópoles parece o ícone da anti-espiritualidade.
Esse contínuo ruído nos afasta de nós mesmos, de nossas interrogações existenciais, do fundo de nosso coração. Os ruídos distraem e impedem o efeito do silêncio: descobrir e aceitar a própria singularidade.
Para muitos, hoje, o silêncio é uma palavra sem sentido e, por isso evitado. Evitam-no porque querem fugir de si mesmos, têm medo de descer ao plano mais profundo, de ter surpresas negativas, de encontrar ali desordem, vazio, escuridão, receio de ouvir alguma voz interior que o possa perturbar...
A carência do silêncio em nossa vida nos faz seres superficiais. Com efeito, a cultura pós-moderna decre-tou o fim do silêncio: vivemos imersos nos mais diferentes ruídos. E o silêncio, por sua vez, está se vin-gando de nós, criando vazio, superficialidade, palavras sem sentido, não sabemos quem somos, para onde andamos e o que queremos...

Por outro lado, muitos começam a manifestar a “nostalgia” do silêncio. Cansados do barulho buscam o si-lêncio e a paz em determinados lugares, ou procuram criar um “oásis de silêncio” no seu ritmo cotidiano.
“O silêncio lava as palavras, emudece os ruídos, subtrai os excessos, estabelece uma aliança entre o ser humano e a essência das coisas. O silêncio é uma religião, pois tem a capacidade de nos religar à essência perdida na confusão da mente e dos gestos.
A presença do silêncio implica em ausência, afastamento do que perturba, do que confunde e não deixa ser em plenitude. É contraditório pensar o silêncio em palavras, pois o silêncio nos transporta à origem das coisas e, no tempo e espaço do que principia, o que importa é a experiência e não o verbo.
O silêncio vem re-nomear e organizar o que se desgastou no tempo, vem edificar os andaimes de nosso ser. Tal como no inconsciente, no silêncio não encontramos contradição, tudo se harmoniza pois tudo se anula para ser pleno, não há comparações, não há o que comparar”. (Jaqueline Fernandes)

Portanto, há um paradoxo: medo do silêncio e, ao mesmo tempo, saudade dele.
Mas a maturidade humana e cristã supõe capacidade de silêncio e de encontro, de escuta e de palavra.
O silêncio é uma necessidade da pessoa tanto para encontrar-se consigo mesma, como para dar profundi-dade ao encontro com os outros.
Fomos feitos para o encontro; o ser humano é um ser comunitário: vive com os outros, está com os ou-tros, é para os outros... Somos frutos do diálogo entre os seres humanos e realizamo-nos quando perma-necemos em diálogo uns com os outros, na medida em que nos encontramos e nos amamos. “Ser” signi-fica “ser com”, ser com os outros; existir significa co-existir. Somos filhos do encontro e do diálogo.
No centro de nossa vida, pois, como pessoas e como cristãos, não pode existir o silêncio, entendido como vazio, como puro e simples calar, como nada. Um silêncio alternado com diálogo, encontro, palavras, fruto de plenitude e não de vazio, que favorece o amor e a comunhão.

Comunicar-se com uma pessoa não é apenas ouvir e interpretar palavras, gestos, suspiros, mas também perceber e interpretar seus silêncios: o silêncio é capaz de conter e expressar toda a interioridade humana. Neste sentido, o silêncio não representa um fator insignificante, neutro, inofensivo.
O silêncio é o preâmbulo de qualquer conversa, de toda oração, o “hall” de entrada para a meditação e contemplação. O silêncio está na raiz da palavra fecunda e transformadora.
“O silêncio é o pai da palavra...” (Leloup)
Os padres do deserto chamam a atenção que não se trata de “fazer silêncio”, pois ele já existe. Basta não arrancar as palavras, basta calar-se, pois o silêncio já está aqui.
O objetivo é chegar àquela “inviolável tranqüilidade do coração” (Cassiano), àquela interioridade que não julga, não calcula, não leva em conta... Só uma interioridade silenciosa é capaz de um verdadeiro amor. Tudo isto para lembrar que não se trata de fazer do silêncio um ídolo.
Como a palavra, ele só vale pelo peso de amor que contém e que o tornará leve. Quantos silêncios pesados ao lado deste silêncio afetuoso! Quantos silêncios hipócritas e carrancudos ou que simplesmente nada tem a dizer, silêncios de incomunicabilidade! 

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