sexta-feira, 15 de julho de 2011

EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS: nosso GPS no caminho interior



Quem não andou um pouco perdido no caminho da vida? Quem nunca se viu mergulhado na obscuridade e sem direção quando estava prestes a tomar uma decisão? Quem nunca se sentiu confuso nas encruzi-lhadas da vida? Quem nunca ficou imobilizado diante de tantas rotas alternativas?

Quando se inicia a viagem da vida ainda não sabemos bem quê equipamentos levar, o lugar de chegada aparece cheio de incertezas e muitos mapas de caminhos alternativos nos são apresentados.

Buscar nossa identidade e conectar com o mundo de nossos sentimentos é uma parte principal desta viagem: “matutar no que sou e no que sinto”.

E é verdade que “não vale a pena andar por andar”, embora em algum momento de nossa vida tenhamos feito percursos sem direção; no entanto, “é melhor caminhar para ir crescendo” para que possam desatar em nós todas as possibilidades latentes. Este crescimento tem um movimento para fora e tem, também um movimento para o interior que é o que enche a vida de beleza, de liberdade e de sentido: “olhar-me dentro e compreender...”. Nós perderíamos muito de nós mesmos e dos outros sem esse olhar para dentro.



Em meio às mudanças e às transformações de seu tempo, S. Inácio compreendeu a importância crucial da interioridade. “Santo Inácio, enquanto se restabelecia no seu leito em Loyola, começou uma profunda peregrinação interior” (CG. 35ª).

Com efeito, a interioridade não é somente essa dimensão da vida humana que permite reconhecer e aco-lher Aquele que fez do coração de cada um sua morada: a interioridade é um caminho sempre inacabado.

Não se trata simplesmente de ser “interiores”, senão de chegar a ser mais “interiores” na medida dos desafios que a vida hoje nos apresenta. A todos nos é necessário um espaço interior livre, ou seja, libera-do de tudo aquilo que possa entorpecê-lo inutilmente, para “sentir e saborear as coisas internamente”;

importa, também deixar que se realize em nós esse trabalho interior sem a qual não podemos ser homens e mulheres familiarizados com as coisas de Deus.



Nosso GPS existencial nos indica uma condição indispensável se queremos adentrar-nos nesse espaço de nossa interioridade ainda por descobrir: fazer uma parada para conectar-nos com o nosso coração; dar-nos um espaço e um tempo para contemplar com calma tudo o vivemos e desejamos nesse lugar escon-dido do coração; expor-nos ali a essa Presença amorosa que silenciosamente nos aguarda.

A originalidade dos EE está na aventura da descoberta do “mundo interior”, esse mundo desconhecido e surpreendente, que é o coração, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa. Os EE nos ajudam a nomear e a expressar o que vamos sentindo, os apelos que vão brotando, as decisões que vão sendo amadurecidas...; eles são um guia que nos pode dar os indicadores de nosso caminho interior.

Tal como um GPS, os EE nos fazem aproximar do centro, sugerido pelo poeta Mario Benedetti:

“No centro de minha vida, no núcleo capital de minha vida,

há uma fonte luminosa, um chafariz que lança convicções de cores

e é lindo contemplá-las e segui-las...

No centro de minha vida, no núcleo capital de minha vida,

a morte fica longe, a calma tem cheiro de chuva, a chuva tem cheiro de terra.

Isto me contaram porque eu nunca estou no centro de minha vida”



Para desfrutar e atravessar intensamente cada um dos momentos e paisagens da viagem da vida, precisa-mos percorrê-los a partir de dentro, onde vemos os rostos e os acontecimentos com outra luz e com outro ritmo. A partir do centro interior tudo adquire luzes e cores novas, muito mais brilhantes.

Buscamos intuições, certezas, convicções luminosas que seja “lindo” segui-las. Nem sempre as encontra-mos e logo nos decepcionamos. Quem sabe talvez porque não as buscamos no núcleo capital de nossa vida. Fora de nós há pessoas e idéias que parecem valiosas, mas que, a partir desse autêntico centro, fundem-se como ídolos com pés de barro, como ídolos que não podem salvar (Is. 45,20).

Dentro de mim –ainda que não no centro - há desejos que me parece imprescindível seguir e realizar. Quando mergulho um pouco “no mais íntimo de minha própria intimidade” (S. Agostinho) – onde habita Deus – muitos desses desejos se mostram vazios, inúteis... Também me ocorre o contrário: se me apro-ximo desse centro da vida, me atraem outros desejos mais consistentes e outros modos de viver mais ra-dicais; até mesmo coisas que me espantavam se tornam desejáveis... e é “lindo” contemplá-las e seguí-las.

Na tradição bíblica, o centro se identifica com o coração (Dt. 30,14) e a vida autêntica consiste em ir onde o coração nos leve.

Mas há uma viagem prévia, talvez a mais inadiável: a viagem ao nosso próprio coração.

Precisamos urgentemente guias para ajudar a caminhar – e para voltar com freqüência – em direção ao nosso próprio centro onde habita o Grande Guia e sua assombrosa fonte luminosa.

Não é possível “ajudar as almas”, ajudar os outros a viver interiormente, se não vivemos nesse espaço de silêncio, de gratuidade e de oração, onde o itinerário de acesso ao coração é habitualmente conhecido.

Em um mundo de muita superficialidade, onde a imposição do imediato, da rapidez, da produtividade e da eficácia se apresentam como deveres imperiosos, o chamado a ser “homens e mulheres interiores” tem uma força particular que nos devolve à nossa humanidade perdida.

Sem uma profunda vida interior, não podemos ir longe na experiência de Deus que nos atrai e nos conduz a Ele; sem uma vida interior exigente e vigorosa, deixamos relaxar o pólo “contemplação” de nossa vida de “contemplativos na ação”; sem buscar e encontrar esses caminhos de interioridade que o Espírito de Deus abre àquele que lhe é dócil, corremos o risco de deixar secar nossa generosidade apostólica, de esvaziar o sentido de nossos compromissos mais fortes, de obscurecer nossa fidelidade de acesso à fonte de nosso ser, ali onde encontramos Aquele com quem buscamos entrar em sintonia.

Sem esta “outra visão”, que nos é dada pelos olhos interiores, não podemos reconhecer como Deus “tra-balha” intensamente no aparente “escondimento” de sua presença ou de sua visibilidade.

Enfim, essa vida interior é ao mesmo tempo a terra na qual permanecemos enraizados e a fonte onde podemos apagar nossa sede.



De quê tenho sede?

No encontro com a samaritana, Jesus se assentou: vai ocupar o lugar do poço.

Ele é o manancial que vai ocupar o lugar da lei, do templo, da tradição, da religião que submete e não alimenta. No Evangelho há um significativo jogo de palavras: sempre que fala a mulher, ela fala de “poço”; pelo contrário, Jesus se refere a ele como “manancial”. A mulher – Samaria – busca apagar sua sede na Lei, na tradição, em um “poço” do qual haveria que extrair a água.

Jesus lhe faz ver que é preciso abrir-se a um “manancial” novo, que lhe vem através d’Ele e que “brota em seu interior” de um modo permanente. Ele é o manancial e com sua presença desperta o manancial interior da samaritana, entupido.

                     “Dá-me um pouco de sede porque estou morrendo de água!”

Eis o clamor de uma geração que tendo quase tudo, parece que não consegue descobrir o sentido da própria existência.

Em sentido profundo a sede se refere à busca de sentido presente em todo ser humano, busca daquilo que traz definitivamente a paz: a “água viva” que coincide com o “dom de Deus”.

Por isso, o relato se situa intencionadamente em chave de oferta: “se conhecesses o dom de Deus...”

Acabou-se o tempo dos templos; a adoração passa pelo coração, é interior e verdadeira, corresponde a uma vida em fidelidade.

A experiência acontece quando escutamos em nosso interior o “eco” que a água viva produz, saciando nossos desejos mais plenos. “Uma água viva murmura dentro de mim e me diz: Venha para o Pai” (S. Inácio de Antioquia)



Textos bíblicos:  Jo. 4   Ez. 47,1-12    Jo. 7,37-39



Na oração: mergulhe no “rio interior” que corre, desça às “águas”  do amor do Pai, deixe-se molhar pelas

                     Palavras do Filho e receba a força e a luz do Espírito.

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