A COMPAIXÃO NOS HUMANIZA
“Ao sair do barco Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por ela e
curou os que estavam doentes” (Mt. 14,14)
“Com-paixão”, palavra de etimologia latina, significa “padecer-com”, “sentir-com”, vibrar-com”, “afetar-se-com”... Seu equivalente, derivado do grego, seria a palavra “sim-patia”, termo ao qual se opõe diretamente o de “a-patia”, ausência de sentimentos, de vibração, de capacidade de proximidade...
Muitos se referem à compaixão como uma paixão, outros como uma emoção forte, outros ainda, como um sentimento...; mas todos coincidem em um ponto: ela tem a ver com nossa comum humanidade.
A compaixão nos situa em uma espécie de irmandade entre seres radicalmente iguais em sua humani-dade. É um dinamismo natural que expressa a bondade original do ser humano, a origem dos sentimen-tos altruístas.
A compaixão é força que impulsiona à ação; não se trata de uma relação de cima para baixo, de quem, a partir de uma situação superior e distante, faz concessões a quem lhe é inferior.
A compaixão é, antes de tudo, uma situação na qual prevalece a igualdade e dignidade básica e comum do ser humano; ela nos capacita a superar barreiras e condicionamentos que impedem uma vinculação frater-na entre as pessoas, para chegar a colocar-nos no lugar do outro e atuar por e para ele.
A compaixão é essa capacidade de sentir com o outro, particularmente o outro golpeado pelas circuns-tâncias da vida. È a valentia para compartilhar sua paixão, é participação imediata no seu sofrimento e buscar com ele a esperança, o alívio e a alegria.
Por isso o outro deixa de ser um estranho e se converte em próximo.
A compaixão é filha da humildade. De fato, a humildade significa descer em direção à nossa condição criatural e assumir nossa verdadeira condição humana.
Nesse sentido, a compaixão revela, ao mesmo tempo, algo profundamente humano e humanizante, mas também a miséria e a pequenez do coração humano. São nossas misérias comuns as que conduzem nossos corações para a humanidade. É enquanto frágeis e miseráveis que nos fazemos compassivos.
A compaixão não apresenta uma solução mágica e simples aos problemas, mas sim amplia nossa visão da realidade e enraíza nossas decisões e nosso compromisso com a justiça. Pois a compaixão é algo mais que um meio para combater o sofrimento alheio: ela impulsiona à abertura e permite colocar-nos no lugar ou na perspectiva do outro, hábito saudável no campo das relações humanas.
O sentimento que balizou e deu a tônica no exercício da atividade de Jesus é a compaixão.
A compaixão, que toma conta do seu coração, é fruto do corajoso deslocamento para a margem, para a necessidade do outro. Os Evangelhos destacam os profundos sentimentos de humanidade, compaixão, empatia, ternura e solidariedade misericordiosa de Jesus. Porque amou e foi amado, o coração de Jesus experimentou a alegria e a tristeza, a felicidade e a saudade, a ternura e o sofrimento...
Assim é o Seu coração: feito com as fibras da fortaleza e da coragem entrelaçadas com as fibras da compaixão e da ternura. Através de seus sentimentos Jesus revela o rosto humano de Deus.
Muitas vezes é mencionado que o Senhor foi “comovido até as entranhas” e teve “frêmitos de compaixão”; trata-se de sentimento eminentemente humano.
- tem compaixão da multidão “porque estava cansada e abatida” (Mt 9,35-38);
- diante de um leproso fica “movido de compaixão” (Mc 1,40-45);
- o mesmo em relação aos dois cegos de Jericó (Mt 20,29-3434);
- comovente é o gesto compassivo para com a viúva de Naim (Lc 7,11-17);
- a sensibilidade de Jesus encontra sua expressão mais forte no episódio de Lázaro. Suas lágrimas tradu-
zem um afeto terno e profundo, que brota de um coração tocado pela dor (Jo. 11,1-44)
Jesus não passa “friamente” por nada. Ele não passa friamente ao lado da fome, doença, angústia, morte... não passa friamente ao lado das multidões e das pessoas, sem horizonte e sem pastor.
Seu sentimento está sempre engajado: Ele é o homem da prontidão de sentimentos. Sente-se “tocado” pela dor e miséria humanas.
O sentimento de Jesus é “espontâneo”, que flui e jorra. Ela é ampla e abraça tudo (lírios, aves do céu, crianças, pecadores, multidão...)
O sentimento de Jesus é “seguro”; nele não notamos hesitação ou vacilação alguma; esta segurança é designada pela expressão “agir com autoridade”.
A compaixão esvazia toda pretensão de poder, pois ela projeta a pessoa para o outro, torna a pessoa sensível ao clamor e às necessidades do outro. A compaixão rompe a couraça do “eu” constituída pelo poder. A vida do outro é a razão única da autoridade.
O outro, sua necessidade e sofrimento, será sempre a alavanca que gera no coração humano a compre-ensão e o exercício da autoridade como verdadeiro serviço.
Só a compaixão desloca cada um para o lugar do outro. Só a compaixão ilumina a realidade do sofri-mento do outro. Só a compaixão move na direção da oferta do outro.
A compaixão é a entrada do ser humano no mundo do humano; ela é o perfume do humano que invade a humildade da vida, a sua fragilidade e sofrimento, e torna operativo o processo de humanização.
Portanto, a com-paixão implica dois momentos.
O primeiro é de despojamento, que envolve o esquecimento de si mesmo e dos próprios interesses para concentrar-se totalmente no outro. Importa “ver” o outro como outro e não como prolongamento de si mesmo ou do círculo do seu eu.
O segundo momento é de cuidado, que se expressa pela saída de si em direção ao outro e se traduz em solidariedade, em serviço e em hospitalidade para com o outro.
Com-paixão comporta assumir a mesma “paixão” do outro; ou seja, sofrer com quem sofre.
Mas também alegrar-se com quem se alegra. Implica co-mungar, caminhar juntos, com-viver, oferecen-do-se mutuamente o ombro e dando-se as mãos.
Num mundo em que o anonimato impera e uma falta de compromisso com o outro parece predominar, talvez a compaixão comece pela capacidade de fixar o olhar nos rostos, desmontando os pré-juizos, ou pela possibilidade de perguntar ao outro por sua vida, seus sonhos, suas preocupações, seus desejos e sua dor. Procurar entender seus motivos sem passar logo a interpretá-los, a etiquetá-los ou a julgá-los. Aprender a escutar suas histórias e a acompanhar suas inquietações.
Enfim, uma atitude de abertura e a disposição a uma comunicação profunda.
Texto bíblico: Mt. 14,13-21
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