quarta-feira, 20 de julho de 2011

NO “CHÃO DA VIDA” ESTÁ ESCONDIDO NOSSO VERDADEIRO TESOURO


     “Do seu ferimento a ostra faz surgir uma pérola.

       A dor que a dilacera, ela a transforma em jóia” (Richard Shanon)







O conto das 3 falas


“O herói, um menino tolo, é enviado ao mundo pelo pai a fim de aprender alguma coisa. Por três vezes ele volta para casa e, quando o pai pergunta o que aprendeu, ele responde da primeira vez: - “pai, aprendi a fala do latido dos cães”;

da segunda vez: - “pai, aprendi a fala do canto dos passarinhos”;

e da terceira vez: “pai, aprendi a fala do coaxar das rãs”.

O pai fica extremamente aborrecido, porque não sabe o que fazer com esta arte.

O menino parte, então, em peregrinação e chega a um castelo onde deseja pernoitar. Mas o dono do castelo só tem lugar para ele no porão da torre, onde moram os cães selvagens que já devoraram mais de uma pessoa.

Mas o menino é corajoso; ele leva alguma coisa para comer e não tem medo de descer à torre.

Lá ele fala amigavelmente com os cães ladradores. E estes lhe revelam que só são ferozes assim porque são os vigias de um tesouro. E mostram-lhe o caminho para o tesouro, e ajudam-no a desenterrá-lo”.



Só podemos encontrar o tesouro dentro de nós se descermos ao chão de nossa torre. É normal que nós nos surpreendamos frente a frente com um “eu” desconhecido, temido ou reprimido há muito tempo.

O caminho para o nosso tesouro passa pelo diálogo com os “cães ladradores”, com nossas paixões, com nossos problemas e fragilidades, nossas angústias e nossas feridas, com tudo quanto ladra dentro de nós e consome nossa energia. A espiritualidade cristã nos mostra que exatamente em nossas feridas nós desco-brimos o tesouro do nosso verdadeiro “eu” escondido no fundo de nosso coração.

         “Lá onde nós fomos feridos, onde nos quebramos, aí nós também nos abrimos para Deus” (H. Nouwen)



Tradicionalmente, fomos coagidos a viver uma espiritualidade que nos ensinou a “prender os cães”  na torre e a levantar junto dela um edifício de “grandes ideais”.

E com isto, passamos a viver constantemente com medo de que os cães pudessem fugir e nos devorar.

Com isso nos excluímos do prazer de viver, porque tudo é reprimido.

Sabemos que tudo quanto nós reprimimos nos faz falta à nossa vida. Os “cães ladradores” tem muita força. Quando os prendemos, fica nos faltando a sua força, de que temos necessidade para o nosso cami-nho para Deus, para nós mesmos e para os outros. Somos obrigados a fugir de nós mesmos, ficamos com medo de olhar para dentro de nós, pois poderíamos correr o risco de nos deparar com os cães perigosos. Quanto mais os amarramos, tanto mais perigosos eles se tornam.



No nosso caminho espiritual, o que importa é ter a coragem de entrar na torre e dialogar amigavelmente com os “cães ladradores”. Então eles irão nos conduzir ao chão e nos mostrar onde o tesouro está enterrado. Os cães ferozes poderão até nos ajudar a desenterrar o tesouro.

Este tesouro pode ser  “uma nova vitalidade e autenticidade, um sonho ousado, uma intuição, um dom especial, o encontro com o verdadeiro eu, a imagem que Deus faz de cada um de nós...”

“Entrar na torre” significa “buscar e encontrar a Deus” exatamente em nossas paixões, em nossos traumas, em nossas feridas, em nossos instintos, em nossa impotência e fragilidade... Ali podemos nos interrogar o que é que Deus deseja nos revelar por meio deles, e como justamente através deles, Ele dese-ja nos conduzir ao tesouro no chão de nossa vida.

 “Descer” para o fundo do porão é a oportunidade para descobrir regiões novas e novos horizontes, para conhecer o reino interior, para encontrar a riqueza interior e assim experimentar a transformação.

O caminho para uma nova qualidade de vida passa pela descida ao fundo do próprio porão.

Isso requer coragem para passar por todas as regiões sombrias e chegar ao fundo. Mas essa descida nos possibilita descobrir um mundo diferente que não conhecíamos, ou que havíamos perdido.

Lá no fundo, encontra-se um bem precioso que podemos levar conosco, que nos ajuda em nosso cami-nho e que nos faz totalmente íntegros e sãos.



É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova riqueza para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida.

Trata-se de despertarmos, de escavarmos, de avançarmos em direção ao “veio de ouro” e de sabermos que este não é nossa propriedade; ele nos é oferecido com dom.

Não basta falar de “pedra preciosa”, é também necessário “escavar” nosso “chão interior”, alargar nosso coração, garimpar em direção às riquezas que estão no eu mais profundo, assim como o “fio de ouro” no meio dos cascalhos.

Cada um de nós possui uma fonte inesgotável de qualidades-habilidades; podemos dizer: “somos um presente”, um valor para os outros. A vida sempre está oculta nas profundezas. A pessoa superficial é aquela que se confunde com suas idéias, coisas... A pessoa do “eu profundo” é aquela que vive a partir da raiz, da fonte mesma da vida, e deixa vir à  tona todas as suas riquezas, dons, capacidades...

É no coração que existem, em abundância, os aspectos positivos de nossa personalidade, os talentos naturais e as boas tendências. Aí se aninham imensas riquezas que se exprimem de maneira diferente, dando a cada um, uma fisionomia própria, um caráter único.

Esta região profunda coincide com o mundo das certezas, dos valores, das idéias-força... que formam o eixo da nossa existência, o melhor de nós, o lugar de nossa recuperação e de nossa realização, o positivo que nos solicita continuamente a nos tornar o que devemos ser.



A força da transformação nós não a encontramos onde vivemos ou distante de nós, mas sim, lá embaixo.

Para buscar o que há de riqueza no profundo de nós mesmos, podemos imitar, simbolicamente, os hábitos dos pescadores de certo atol do Pacífico. Eles vivem pauperrimamente sobre uma terra desprovida de vegetação e açoitada pelos ventos; mas o fundo do seu mar é muito rico em pérolas.

Desenvolveram aí aptidões excepcionais para o mergulho; descem sem qualquer aparelho, ao fundo do mar, localizam as pérolas, arrancam-nas, trazem-nas para a superfície, atiram-nas no barco, para depois mergulharem de novo.

Este é o caminho da espiritualidade que brota do húmus: “descer até o fundo, mergulhar nas regiões mais sombrias onde estão escondidas as pérolas que dão significado e sentido às nossas vidas.

Assim deveríamos mergulhar livremente no nosso próprio “eu profundo”, para aí descobrir as riquezas pessoais, trazê-las à tona e colocá-las a serviço dos outros, multiplicando-as.

É preciso “des-velar” nosso “eu profundo”, o lugar onde habitam os aspectos benéficos da nossa personalidade, as boas tendências, as qualidades positivas, os dons naturais, as riquezas do ser, as beatitu-des originais, as aspirações de grande fôlego, as idéias-força, os dinamismos da vida...

O “tesouro do ser” (certezas, intuições, projetos, valores...) ainda que pareça esquecido, permanece armazenado em sua mensagem essencial, e pode tornar-se a força que orienta toda a vida, a sabedoria da própria vida, um lugar de fecundidade, de criatividade, fonte de renovação...

Dentro de nós temos forças construtivas que podem mudar-nos eficazmente. E é preciso dar-lhes curso, não ocultando-as e nem desprezando-as, mas deixando-as aflorar espontaneamente.



Ter identidade é viver em contato com as riquezas que nos sustentam. Em contato com o tesouro e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa originalidade e dignidade.

Há uma força de gravidade que nos atrai progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos acolhe, e onde encontraremos a nosso “eu original” e a verdadeira paz.

“Que eu me conheça e que te conheça, Senhor! Quantas riquezas entesoura o homem em seu interior!

 Mas de que lhe servem, se não se sondam e investigam” (S. Agostinho)



Textos bíblicos:  Mt. 13,44-46    Is. 45,1-7    2Cor. 4,7-13



Na oração:  Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na oração, cavar mais profunda-

                     mente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade.

Diante da presença de Deus, esteja aberto ao contato com a própria realidade interior, para que venha à superfí-cie aquilo que o sustenta e dignifica o seu viver.

Dirija seu olhar para o mais íntimo de si, onde nascem sentimentos e valores, decisões e gestos... onde você é convidado a se alegrar com os rastros da Graça.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário