sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mais um presente do Eduardo Machado.

Mata-mata ou pontos corridos?

Não, não estou falando sobre a melhor forma de disputa do campeonato brasileiro de futebol. Deixo isso para os especialistas, como o Galvão Bueno, que é a favor do mata-mata (mais uma razão para eu torcer pelos pontos corridos). Aliás, sobre isso escrevi uma crônica em 2003, quando o meu Cruzeiro foi o primeiro campeão brasileiro num torneio disputado por pontos corridos, no qual todo mundo joga contra todo mundo, em casa e no campo do adversário, ganhando quem fizer mais pontos.
Parece lógico, mas não é bem assim. Aliás, a lógica é outra, na cabeça dos cartolas e empresários do ramo, incluída aí a Rede Globo do Galvão.
Lembrei-me da discussão ao assistir, na TV, ao noticiário sobre a explosão de violência no Rio de Janeiro. Cenas de guerra, dois exércitos em confronto, um cenário de medo, terror e brutalidade.
Em casa, a torcida é pelo mata-mata. A plateia chega a salivar de satisfação quando um bandido em fuga é atingido e tem que ser arrastado por um comparsa. Corta pra outra cena: um blindado dribla as defesas do tráfico, passa por cima das barreiras em chamas, é quase um grito de gol.
Dos pontos de venda de drogas, bandidos corridos...
A mídia destaca que o momento é decisivo. Estamos numa encruzilhada. Hora de definir, como diria o Capitão Nascimento, “quem manda nessa merda!”.
A instalação nas favelas do Rio das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, é a resposta (antes tarde do que nunca) do Estado ao poder paralelo do chamado crime organizado. Ao ver a desorganizada fila de bandidos fugindo morro acima, como formigas expulsas do formigueiro, não posso deixar de pensar: a merda, ou o buraco, é mais em cima...
Os criminosos em fuga deixaram para trás armas, munições, granadas e mais de uma tonelada de maconha prensada. Uma tonelada...
Quem fuma essa montanha? Os bandidos fugitivos, de chinelos nos pés, os “pés de chinelo?”.
Quem organiza e comanda essa máfia? Marcinho VP, preso aos 19 anos e, hoje, 11 anos depois, ainda trancafiado numa cela de segurança máxima no Paraná? Ou o Elias Maluco, assassino do repórter Tim Lopes, também enjaulado num presídio federal?
Quem move a roda viva da morte; maconha, cocaína e crack?
O discurso na mídia é: O Bem, enfim, vai vencer o Mal. Como definir, nessa realidade confusa e esgarçada do Rio de janeiro, as fronteiras entre Bem e Mal?
Na mesma semana em que o Rio pegou fogo, outro bandido ganhou o benefício de progressão de pena. Condenado a 13 anos de prisão, cumpriu dois e, agora, já pode sair durante o dia para trabalhar (?) e só voltar à penitenciária para dormir. Mais um ano e ganha liberdade condicional. Vida quase normal.
Quem é o feliz meliante? Salvatore Caciolla, o ex-banqueiro, que usou seu Banco, o Marka, para dar um bilionário tombo no mercado. Dois anos de prisão... e não me consta que tenha devolvido algum, da grana que arrecadou com a fraude.
Voltando ao futebol; no sistema de pontos corridos um campeonato pode ser decidido no primeiro jogo. Este ano três times chegam à penúltima rodada com chances de conquistar o título. Entre eles, o meu Cruzeiro. A torcida reclama do apito amigo, juízes que tem certa preferência por times como um certo Corinthians. Pode até ser verdade, mas o Cruzeiro, se não for campeão, não será por causa do pênalti duvidoso marcado a favor do time paulista. Terá perdido a taça naquele ponto perdido, num jogo perdido, lá no início, ou no meio do campeonato. Essa é a graça, ou a des-graça dos pontos corridos; somados, ao longo do tempo, todos eles valem.
Voltando à guerra; para chegar à situação atual, o Rio de Janeiro vem acumulando pontos há muito tempo. Talvez desde 1946, quando um decreto-lei tornou ilegal o jogo do bicho.
Como sabemos, a lei não pegou e a contravenção se alastrou sob o olhar complacente e cúmplice das ditas autoridades constituídas. A partir dos anos 1960, o poder dos “banqueiros”, não dos Cacciola, mas os “do Bicho”, se amplia quando resolvem lavar a grana “investindo” nas Escolas de Samba cariocas. Vem a era de ouro de Castor de Andrade, Capitão Guimarães e outros barões do “vale o que está escrito”.
O que não se escrevia é que o dinheiro do bicho gerava corrupção, que exigia mais dinheiro, e para ganhar mais dinheiro era preciso conquistar mais territórios, multiplicando os “pontos”, não os corridos, mas os de venda de apostas.
Os chefões foram pra guerra. Se armaram, se mataram, mandam e desmandam até hoje. No vazio do Estado desmoralizado, cúmplice, corrupto e corruptor, veio o tráfico de armas e, finalmente, de drogas. Toneladas de drogas para o pessoal da Zona Sul que assiste, hoje, assustada, ao desfile do tráfico, corrido, em busca de outros pontos.
E na Zona Sul, a turma do mata-mata já está se agitando. “Bandido bom é bandido morto”, vão dizer. E eu me pergunto: pena de morte pra quê, se ela já vigora no Estado sem lei das favelas do Rio?
Mas, se é pra ter pena de morte, que seja, então, pra todo mundo. Para os bandidos e para os fabricantes de bandidos. Regime chinês. Um único tiro na nuca e a família paga a bala.
Elias e Marcinho VP estão na fila. Atrás deles, os Cacciola, Barbalhos, Sarneys, Sanguessugas, Aloprados e outros menos cotados. Olha o empurra-empurra!
O capitão Nascimento chega pra por ordem na casa:
“Não empurra não, ô maluco, tem bala pra todo mundo...”.


Eduardo Machado
26/11/2010

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