quinta-feira, 30 de junho de 2011

Próximo domingo é festa de S. Pedro e S. Paulo.
A primeira leitura (Atos 3,1-10) é tremendamente provocativa para quem tem como
ministério "cuidar" das pessoas.
Uma boa oração a todos
Abraço
Pe. Adroaldo sj


ESCUTAR (COM) OS PÉS



“Conhece-se a Deus pelos pés” (Carlos Mesters)



Atos 3,1-10: Pedro e João iam diariamente ao templo; um homem, coxo de nascença, posta-se junto à

                    porta do templo de Jerusalém. É um ponto estratégico.

Em lugar de caminhar, assiste os caminheiros. Aprendeu a aproveitar-se deles, pedindo esmolas.

Nem Pedro e João escapam. Às palavras de Pedro, reage dando um salto. Lucas relata que “no mesmo instante os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes; de um salto ficou de pé e começou a andar. Entrou com eles no Templo, andando, saltando e louvando a Deus” (v. 7-8).

Salta para um novo caminhar, salta ainda mais para um novo ser. Salta da vida sem graça, limitada a pedinte da margem da porta do templo, para a graça da vida de caminheiro solidário.

Eis a missão do cristão: ajudar as pessoas a se colocarem de pé, resgatando-as em sua dignidade para serem capazes de andar pelos seus próprios pés.

Não cabe ao cristão carregar as pessoas com seu paternalismo. Antes, sua missão é vê-las maduras, entrando por seus próprios pés na presença de Deus.



A existência humana pode ser petrificação, sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e fixismo. Mas ela pode ser conduzida também com sabedoria e imaginação. O movimento criador pode superar o maras-mo e a acomodação; nosso interior contém potencial para vencer a inércia e superar o medo do desco-nhecido, do fracasso, da desilusão... Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de con-vertê-los em uma contínua espera, em algo parado que não se materializa.

Há um momento em que, para alcançá-los, temos que saltar; saltar é humanizador e plenificante.

O salto autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em tempos precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garantir a autonomia e a construção de nossa própria história.

O salto original gera o crescimento da humanidade. É salto que ama as pessoas, que ergue os fracos, que promove a justiça, que preserva a paz, que semeia a esperança, que respeita o diferente, que congrega povos, que dinamiza os talentos pessoais, salto que valoriza compromissos.



É importante descobrir o real significado do salto que nos arranca do passado paralisante e nos lança na aventura que modela a vida pessoal, social, ética, religiosa, histórica...

O salto inteligente estimula a criatividade e rejeita a mediocridade.

Para isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”, que é fenômeno inovador e fecundo. Isso impli-ca pisar o solo com a confiança de que sabemos que a vida está cheia de novas possibilidades, de metas que ainda não superamos, de encontros que ainda não se realizaram, de chamados aos quais ainda não respondemos, de compromissos ainda não assumidos...

Construir a vida que queremos implica saber saltar, saber partir e deixar para trás nossa situação de comodidade, os lugares cotidianos onde nos movemos como peixe na água, onde nos sentimos seguros. Há um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro.



É importante ter clareza da direção para onde saltamos. O salto lúcido mantém o olhar vigilante, de discernimento: em que direção saltar? Há saltos equivocados: salto amargo, salto pessimista, salto frustra-do, salto mortal, salto no escuro... O salto infatigável concretiza as aspirações do futuro.

O verdadeiro salto humano envolve a totalidade do ser e tem sentido de inovação. É o salto criativo, da transformação permanente, que acorda o espírito, solta a liberdade, assume a responsabilidade e aponta o destino inédito. Salto é também ruptura; há salto que só se realiza com a quebra da rotina para poder acolher o novo e surpreendente. E cada salto inspirado é impulso para novo salto.



Para poder dar o salto criativo precisamos destravar e fortalecer os nossos pés.

Lembremo-nos, antes de tudo, desta expressão: “a planta dos pés”. Esta planta clama por raízes. Os pés escutam a terra e nos enraízam na realidade histórica. É difícil ter os pés sobre a terra...  Podemos sentir isso se “escutarmos”  bem nossos pés.

Segundo a tradição oriental, quanto mais próximo do chão estiver o corpo, mais feliz fica a mente. O Ocidente deseja que as pessoas pensem no céu, e alonguem a cabeça no ar para fazê-las olhar para cima e ver as nuvens. O Oriente sabe que a melhor maneira de chegar ao céu é pisar solidamente na terra.

Ao encontrar-se com a mãe-terra a pessoa é impulsionada para as experiências transcendentais.



Quanto mais proximidade e intimidade com a terra, mais profunda é a experiência espiritual.

Na Índia, quando as pessoas se levantam, sua primeira oração é juntar as mãos e pedir perdão à Mãe Terra por pisá-la. Que não haja ofensa no contato necessário, mas intimidade.

Em casa, as pessoas sempre andam descalças. O pé nú acaricia a terra que pisa, agradecendo o apoio e mostrando sua confiança. Cada passo deve ser uma oração e cada caminhar é um rosário de contas que marcam os caminhos da vida com a fé do caminhante.

Dá força e inspiração sentir-se junto à terra, apalpar sua firmeza, medir sua imensidade.

É o altar cósmico sobre o qual celebra-se diariamente a liturgia da vida.

Não há uma “Terra Santa”, há uma maneira santa de caminhar sobre a terra. É a nossa maneira de caminhar sobre a terra que a torna sagrada.

Mudar o nosso modo próprio de caminhar, mudar o nosso modo de colocar o na terra, não é somente uma terapêutica psicossomática, mas pode ser um exercício espiritual. É aceitar-nos em nossa dimensão terrosa, adâmica.



O equilíbrio do corpo, o equilíbrio do nosso psiquismo, o equilíbrio de nossa vida espiritual depende deste enraizamento. E se as raízes são sadias, toda a árvore é sadia. Algumas vezes somos jardineiros, muito atentos à flor e ao fruto, mas esquecemos as raízes, esquecemos os pés.  

É por aí que devemos começar os nossos cuidados.

Algumas vezes, nossos pés são vulneráveis.

A tradição dos Padres do Deserto nos diz que todos nós temos os pés feridos e maltratados. Não temos mais o prazer em viver e em amar. E temos necessidade de sermos cuidados e curados no nível de nossos pés. Precisamos fazer o caminho que vai dos “pés inchados e feridos” aos “pés alados”; partimos de nossos pés pesados, pesados de memória, como se tivéssemos um fardo de memórias para carregar conosco. Sentimos que este fardo de memória nos entrava a marcha e nos impede o caminhar.

É preciso cuidar dos próprios pés para que eles possam reencontrar suas asas; poderemos, então, cami-nhar sobre a terra com os pés livres, leves, soltos. Assim, como seres humanos, reencontraremos nossa condição divina.



Em muitas tradições espirituais (como no Evangelho), o Mestre lava os pés dos seus discípulos. De um ponto de vista simbólico, “lavar os pés” de alguém é devolver-lhe sua capacidade de sentir-se enraizado, é recolocá-lo de pé.

Quando Pedro e João escutam o clamor do “coxo de nascença” eles param e expressam um um gesto de cura e de amor, prolongamento do gesto de Jesus no “lava-pés”. Porque não se pode amar alguém e olhá-lo de cima. E também não se trata de olhá-lo de baixo para cima, sendo-lhe submisso.



Trata-se de  colocar-se a seus pés para ajudá-lo a reerguer-se.

Finalmente, a palavra pé, “podos” em grego, está estreitamente relacionada à palavra “paidos”, usada para significar criança. Assim, um pedagogo é um especialista que cuida dos pés do ser humano, desde que cuidar dos pés de alguém significa cuidar da criança que está nele.



Textos bíblicos:   Jo. 12,1-8  Jo. 13,1-15  Gen. 32,23-33

Um comentário:

  1. Alguém já fez e-partilha? Pois é, eu já, e achei bom.
    Este trecho pra mim diz muito:
    "Há um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro."
    Isto é o JIAC, isto é Amor, isto é Deus.....
    Philipe Mattos

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