quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Evangelho de domingo- 20/11/11- Texto do Padre Adroaldo

COMPAIXÃO: pulsar o coração em sintonia com o coração de Deus



“O que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a fim o fizestes” (Mt. 25,40)



Rei, não há outra palavra menos apropriada para Jesus. De fato, esta festa foi estabelecida por Pio XI em 1925, num momento em que a Igreja estava perdendo poder, prestígio e influência na sociedade. Acredita-va-se que uma festa de Cristo Rei ajudaria a recuperar o terreno perdido.

A festa de “Cristo Rei”, que encerra o Ano Litúrgico, pode ser ocasião propícia para “transgredir” nossa concepção de “rei” e “reinado”, e evitar um triunfalismo religioso, pura imitação dos reis deste mundo que vivem às custas de seus súditos.

Jesus, rei atípico. Ele reina identificando-se com os últimos.  Seu senhorio é de amor incondicional, de compromisso com os mais pobres e sofredores, de liberdade e justiça, de solidariedade e de misericórdia.

Com sua palavra e sua vida Ele afirma que “não veio para ser servido, mas para servir”. Por isso, assume uma posição crítica frente a todo poder desumanizador.

Jesus sempre viveu voltado para aqueles que sofrem e necessitam de ajuda. Não ficou alheio a nenhum sofrimento. Sua missão era essa: “aliviar o sofrimento humano”. Por isso se identificou com todos os pobres e excluídos da história. Quem se aproxima para ajudar a um necessitado se aproxima d´Ele; quem se afasta daqueles que sofrem, afasta-se d´Ele.



O Evangelho indicado para esta festa afirma que quem deseja entrar no Reino, não deve comportar-se como um “vassalo” de um rei, mas como um servidor dos mais fracos e excluídos. Todo ser humano que se “humaniza, humanizando os outros”, faz presente o Reino. No Juízo, a única coisa que se leva em conta na hora de valorizar o ser humano é sua humanidade; nas exigências do “Juiz” não aparece nenhuma conotação “religiosa”, no sentido de práticas religiosas. A pertença ou não ao Reino, não depen-de de uma atitude religiosa, mas de uma atitude vital de compaixão para com os mais fracos.

O fundamento da missão do cristão no mundo está no fato de aceitar o pobre como “um absoluto” ao qual se deve um amor ilimitado e incondicional como a Deus mesmo, e fazer-se seu súdito.

A questão da salvação não consiste em buscar um Salvador e reconhecê-lo como tal, senão em preocupar-se com aqueles que padecem necessidades e reconhecê-los como alguém que tem direitos e autoridade sobre nós.



Humanização, em chave de vivência à maneira de Jesus, significa a conversão da vida cristã ao drama dos pobres do mundo. Como falar de humanização se não é a partir das vítimas da desumanização de nossa humanidade? Longe dos pobres e das dores da humanidade continuaremos desumanizando nossas vidas até cair no vazio existencial. Os pobres nos desmascaram permanentemente e purificam nossas motiva-ções no seguimento de Jesus; eles nos arrastam para a humildade radical, eles nos humanizam já que nos revelam nossa fragilidade mais profunda; eles nos salvam porque o que fazemos com eles o fazemos com Cristo.

Os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de Cristo. Eles interpelam nossos compromissos. Tudo o que tem a ver com Cristo tem a ver com os pobres e tudo o que é relacionado com os pobres, diz respeito a Jesus Cristo.

O envolvimento com o “outro” (excluído, pobre, marginalizado...) nos conduz à autenticidade, à libertação de apegos e avareza, à liberdade para partilhar e receber e a uma imensa felicidade.

Em seus olhos “vemos o calor da atenção, o brilho da dignidade, o lampejo do humor, a faísca do                              protesto. Vemos também as lágrimas da tristeza, do medo e da insegurança, o sofrimento da rejeição, a escuridão do desespero”.



O encontro com o “outro” marginalizado dá um “toque” especial à nossa espiritualidade e nossa espiri-tualidade faz nossa ação mais radical – mais enraizada em si mesma e indo mais a fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-nos do “pobre” e deixar-nos “afetar” pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas “fraquezas” suscitam em nós o melhor de nós mesmos e ao nos envolver afetivamente em suas vidas, fazem com que vivamos um misto de ternura e indignação a que chamamos compaixão.

Nas experiências de “convivência” com os pobres adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade... Eles tem um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.

“Nosso compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres” (Inácio de Loyola).

  

A experiência cristã entende a compaixão como hábito do coração; por isso, ela deixa de ser “ocasional”  e passa a ser um “estilo de vida”,  fundado no modo de viver  de Jesus Cristo; significa deixar-se afetar pelo “mundo do sofrimento e da injustiça e não ficar indiferente”.

A compaixão é espontânea, não se impõe a partir de cima, senão que supõe uma predisposição favorável ao encontro com o outro, deixando-se afetar cordialmente pela realidade de quem sofre.

A compaixão nasce da gratuidade e nos faz mover em direção aos outros, sobretudo dos excluídos, daqueles privados de sua dignidade humana.


Do manancial da compaixão brota a solidarie-dade que leva a reconhecer no outro uma dig-nidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.

A solidariedade permeia e redimensiona as-sim toda a nossa existência. Não é um evento, um ato isolado. Ela faz solidária a vida em seus desdobramentos, fermenta o cotidiano real de nossas existências, infunde sentido e razão de ser àquilo que somos e fazemos.

Importa, portanto, “re-inventar” com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude perma-nente de vida... ; não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de inclusão do dia-a-dia.



Portanto, Jesus é Rei não da forma triunfalista, como querem muitos cristãos “gloriosos”.

Ele é rei que toca leprosos, que prefere a companhia do excluídos e não dos poderosos do povo; um rei que lava os pés dos seus, um rei que não tem riqueza nem poder...

E já que falamos do rei, temos que falar do reino. Jesus falou do reino de Deus, do reinado de Deus.

Um reinado em que os últimos deste mundo são os primeiros.

Um reinado que prefere aos publicanos e às prostitutas, antes que aos doutos letrados e aos puros fariseus.

Um reinado sem tronos, sem palácio, sem exército, sem poder.

Um reinado de viúvas pobres, que doam os centésimos de esmola.

Um reinado de samaritanos, que cuidam de um ferido.

Um reinado em que são preferidos os simples como as crianças. Um reinado de gente pobre, que sabe lutar, de coração limpo, comprometido com a justiça. “Mísero reinado”.



“Reinar”. Em nosso mundo reina o terror, reina a miséria, reina a exploração, reina a vingança, reina o negócio sujo, reina a violência...

Quando em nosso mundo reinar a confiança mútua, quando todos viverem decentemente, quando não houver excluídos nem sofredores, quando os negócios forem honrados, quando formos capazes de com-partilhar... então poderemos começar a falar do Deus que reina; a partir de dentro, a partir da humanização dos corações.

Reinará Deus alguma vez? Jesus acreditava na força da semente, no poder do fermento, na criatividade dos pobres, no dinamismo incomparável do Espírito, do Vento de Deus.



Texto bíblico:  Mt. 25,31-46   Ez. 34,11-17

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