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Leitura do dia: Gênesis 7,11-21
E veio um dilúvio sobre a terra durante quarenta dias; e as águas cresceram e levantaram a arca, e ela se elevou por cima da terra.
Prevaleceram as águas e se estenderam sobre a terra; e a arca vagava sobre as águas e todos os altos montes que havia debaixo do céu foram cobertos.
Pereceram todos os que se moviam sobre a terra, tanto ave como gado, e os animais selvagens, e todo réptil que se arrasta sobre a terra, e todo homem.
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- O Pecado se estende como águas de enchente
- Ele traz a morte.
- A arca guarda a esperança. Nela mora a
possibilidade de perdão e reconstrução.
Com a arca encalhada num sinal...
De vez em quando a oração, em mim se faz quase poesia. Principalmente quando ‘saboreleio’ Adélia Prado, Clarice Lispector, Rubem Alves, Frei Betto, Manoel de Barros e tantos outros poetas que tem essa estranha mania de ter fé na e vida, capturar os sentimentos do mundo e expressá-los em poucas, precisas e preciosas palavras.
Toda poesia, verdadeira poesia, é também oração, pois nos coloca em contato com a beleza original que É o próprio Criador. Por isso, de vez em quando, me permito cometer quase poemas, única forma possível de rezar quando nos faltam chão e certezas, quando me sinto sufocado, perdido, afogado em dúvidas imensas, abissais.
Qualquer esperança perde o sentido diante da imagem banal de uma criança vendendo valas no sinal. Tão cotidiana, tão familiar, tão absurda.
Nenhum consolo vem do jornal barato, vendido aos gritos e centavos, onde a manchete anuncia os detalhes do crime passional.
Na mesma primeira página, velhas notícias tristemente renovadas. A imagem da BBB, a explicação do ministro. Num canto, a nudez, noutro a estupidez.
Diante de mim a multidão atravessa impassível.
A rua sem nome, a criança sem rosto, o sinal sem brilho.
E aquele menino, no sinal, podia ser meu filho...
Imagens vêm, num turbilhão, enquanto espero angustiado pelo verde do sinal que me libertará, quem sabe, daquela imagem de tantas dimensões...
Minha frágil fé entra em crise diante do garoto drogado, capaz de atrocidades primitivas.
O criminoso comum, autor de brutalidades banais, repetitivas.
O político protegido pelos seus pares.
O insuportável cheiro desses ares, dessa memória recente.
Em crise, em pleno deserto, sedento e só, rezo a parábola do dilúvio.
Deus desiste da Humanidade.
Ou melhor, quase desiste. Preserva Noé e os seus para contar/continuar a História.
Sinto-me Noé.
Debruçado sobre a amurada da arca, sob a chuva fria e cinzenta,
Ouvindo os sons entrecortados dos animais no porão...
Não, não sou Noé, sou a própria arca...
Abrigo em mim animais imprevisíveis.
Ressoam em meu peito seus rugidos surdos, ameaçadores,
Ouço-os nas noites de insônia e nos dias de desolação.
Assustado, perscruto o horizonte em busca de um porto que não chega.
Só céu e mar.
E a tempestade.
Atravesso oceanos em mim mesmo em busca de um vislumbre que seja, em meios às nuvens.
E ele vem... no sussurro suave de um amém...
Liberto o pássaro que teimo aprisionar em meu peito.
Vejo seu vôo incerto sobre o mastro,
Além da vela,
Perdendo-se nas mesmas nuvens que teimam em chorar na chuva incessante
Sua cotidiana cota de lágrimas...
O pássaro é minha fé.
Frágil, pequeno, tão longínquo quanto o porto que não vejo.
Seu vôo é a esperança.
Onde ele encontrar um pouso, jogo minha âncora e monto minha tenda
Com certeza estarei de novo nas terras do Amor.
Para rezar até o próximo encontro
Gênesis 8
Oração final:
Senhor Deus, Pai de misericórdia; ensina-nos receita perfeita para superar a aridez que fica depois da enchente do egoísmo; “amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu. Sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria, e ao chegar ao fim do dia eu sei que eu dormiria muito mais feliz”. (Pe. Zezinho SCJ).
Amém
Eduardo Machado/novembro de 2011
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