terça-feira, 1 de novembro de 2011

Segue um texto para ajudar a rezar o "dia de Finados" - Padre Adroaldo.

...E AS VIDAS FICAM DIFERENTES



“Morrer é fechar os olhos para ver melhor” (José Marti)



Toda expressão de vida flui para a morte. E o ser humano é o único animal que sabe que vai morrer. Ele, no entanto, inventa toda sorte de artifícios para não encarar de frente este destino que lhe é insuportável. Ele brinca, arrisca, ri, inventa mil coisas para adiar o prazo do fim. Lança-se no ativismo para protelar esse inaceitável momento. É melhor o barulho, a sucessão de desafios e até mesmo o fracasso do que o mergu-lho no silêncio da morte. Mesmo estando frente à morte dos outros, pensa ainda poder escapar desta decisiva prova. Há uma angústia que, sem trégua, atormenta os vivos diante de sua ameaça escondida nas sombras, sempre presente na doçura da vida e no fervilhar das paixões.



No entanto, porque sabemos que somos mortais e dotados de liberdade, nós, seres humanos, nos inter-rogamos sobre o sentido da vida; somos capazes de vivê-la como um projeto de nossa própria escolha e podemos transformar a morte no último e supremo ato de nosso viver.

O ser humano não deve admitir sua morte como uma derrota humilhante, mas, do mesmo modo que pode governar sua vida, deve governá-la até realizar o ato de morrer, o último ato de sua vida, a conclu-são de sua existência temporal.

A morte somente pode ter um sentido e significação se a vida também os tiver; e se a vida os tem, também os terá a morte: quando alguém sabe “para quê e para quem vive”, realizando sua original mis-são, pode morrer em paz. Os que vivem intensamente enfrentam com grande serenidade seu envelheci-mento e a proximidade da morte, vendo nela mais uma etapa no processo normal de seu amadurecimento e de sua realização.

Conscientes de ter vivido por alguma causa, de ter levado uma vida plena, podem dar sentido e significa-do espontâneos ao último ato de sua existência, a morte. É o modo como alguém vive que qualifica a morte. Há mortes que, para além da inevitável dor que causam aos familiares e amigos, provocam paz, agradecimento, vontade de viver seriamente, de se levantar da superficialidade e da mediocridade.



Todos morremos, mas há mortes e mortes. Na cultura da “pós-modernidade líquida” a morte se apresenta como termo, ruptura e aniquilação. Somente os que não viveram seriamente, os que esbanjaram sua vida em caprichos e superficialidades, os que semearam dor e morte ao seu redor, os que asfixiaram a vida e não se importaram com os outros tem medo de morrer.

Os que aceitaram sua vida e se atreveram a vivê-la seriamente, os que a viveram como dom que se entrega, aceitam sua morte e a esperam de modo sereno e livre, como o descanso devido depois de uma jornada trabalhosa e fecunda. Assim como a jornada cumprida devidamente dá alegria ao sonho, uma vida bem vivida dá alegria à morte. Porque a vida valeu a pena, também vale a pena morrer.



A consciência de que se morre por alguma grande e nobre causa despoja a morte de seu caráter de catás-trofe absurda, não somente aos olhos de quem vai morrer, mas também aos olhos dos que o amam.

A morte se transforma em “fator de criação de vida”, em “boa notícia” para aqueles que se atreveram a viver como Jesus viveu. Viveram para dar vida e morreram para defendê-la. Viveram a vida como entrega e sua morte foi uma conseqüência lógica de seu modo de vida. Levaram a existência até os limites de suas possibilidades e fizeram dela uma semente permanente de vida. A lembrança da vida e da morte dessas pessoas continua semeando vontade de viver com autenticidade. Elas derrotaram a morte.

De fato, o modo de viver de Jesus recebe o sim definitivo de Deus e nos mostra que a vida entregue para dar vida é o caminho para derrotar a morte e continuar vivendo. No acontecimento infinitamente doloro-so da morte de Jesus se revela e se promete o sentido último do viver e do morrer humano.

Fazer “memória” desta morte é abrir-se para a vida, não somente para aquela plena do mundo futuro, mas também à mais profunda qualidade desta vida presente.

E afirmar a ressurreição não é consolo ilusório, nem evasão do compromisso com a história e com a vida. É decisão firme de continuar o projeto de Jesus, de defender a vida onde quer que esteja ameaçada, de arriscar-se pelos mais fracos e excluídos para que tenham vida, de viver dando morte à morte, curando feridas, levantando corações, semeando esperanças, despregando crucificados.

A ressurreição nos faz compreender que esta vida terrestre não consiste em outra coisa senão no tempo da gestação concedido a cada um de nós para que, dentro desse imenso ventre cósmico, possamos aprender a viver de amor e contemplar a obra do Artista.



Textos bíblicos:  Sab. 3,1-9   Apoc. 21,1-7     Mt. 5,1-12

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